Este blog é composto basicamente por críticas de cinema. Porém, esporadicamente você poderá encontrar aqui comentários sobre qualquer coisa que acontece no mundo e que sai na mídia, além de contos. Já prometi milhões de vezes atualizar este espaço pelo menos uma vez por semana, mas como, até hoje, não consegui, dá uma olhada de vez enquando. De um mês não passa! No mais, comente, pois é pelo que você acha que eu posso avaliar meu trabalho e tentar melhorar a cada dia.
Acaba de estrear no Brasil o novo filme do argentino Carlos Sorin – A Janela. Depois de La Película del Rey (1996), Histórias Mínimas (2002) e O Cachorro (2004), o cineasta – que sempre foi um grande admirador das obras de Ingmar Bergman – parece fazer uma releitura de um de seus filmes favoritos do sueco: Morangos Silvestres. A reflexão sobre o passado no final da vida, o afastamento e a distância de pessoas importantes, a solidão irremediável são apenas alguns dos aspectos semelhantes em ambas as obras. Porém, essa influência ainda que inegável parece não ter sido intencional, eis que Sorin afirma tê-la percebido somente após finalizar seu mais recente longa. A influência consciente vem da vida do escritor Anton Tchékhov, um dos maiores ídolos de Sorin. Tanto a própria obra do autor, como a biografia escrita por Irene Nemirovsky, tiverem alguma participação na constituição desta história.
A Janela aborda a vida do escritor Antonio, um idoso de cerca de 80 anos interpretado pelo brilhante ator uruguaio Antonio Larreta. Ele vive numa imensa fazenda no interior da Argentina, onde se encontra atado a uma cama por problemas de saúde, enquanto espera ansiosamente a chegada do filho, que mora na Europa e com quem não tem contato há anos. Os 85 minutos de filme representam a passagem de tempo de apenas um dia na vida do protagonista, que está cheio de vivacidade, ainda que seu corpo não acompanhe sua mente (um dos grandes dramas da velhice).
Entretanto, embora haja pouca ação na tela, há muito intrínseco em cada palavra, em cada gesto de seus personagens. Cabe ao espectador saber interpretá-los; não ser impaciente, querer tudo pronto, entregue diante de seus olhos. O próprio Sorin já andou afirmando em entrevistas que seu filme não é para espectadores passivos, mas ativos, que queiram completar o filme como os elementos ocultos, sugeridos, não ditos. Desde a idéia de ver a vida passando através da janela, a fotografia, a música, até o clima bucólico que permeia a história, tudo possui um ar deveras poético. Trata-se de um filme reflexivo, que dificilmente atrairá o público em massa, mas que certamente resguarda um valor artístico inquestionável.
Até uma semana atrás não conhecia o trabalho de Eran Riklis, quando me deparei com uma crítica de seu mais recente longa-metragem, Lemon Tree, lançado aqui no ano passado, e decidi saber mais sobre o cineasta. Apesar de ter vivido por dois anos no Brasil, em função do trabalho de seu pai que era embaixador neste país, o israelense ainda parece ser pouco conhecido por aqui. Do total de sete longas de ficção que dirigiu, apenas dois chegaram ao mercado brasileiro. Já conhecido por abordar as estremecidas relações entre israelenses e palestinos em regiões fronteiriças, como já se havia visto em seu brilhante antecessor A Noiva Síria (2004), Riklis voltou ao tema após ler uma notícia praticamente omitida pela mídia israelense. Através dela, ficou sabendo que uma palestina decidiu ir à justiça contra a derrubada de suas oliveiras determinada pelo governo para resguardar a segurança nacional e decidiu levar a história à telona, com suas devidas adaptações. Em Lemon Tree – premiado como melhor filme pelo júri popular da sessão Panorama do Festival de Berlim do ano passado – a palestina Salma Zidane (Hiam Abbass), que vive da rentabilidade de seus limoeiros, ganha um novo vizinho, o ministro de defesa de Israel, Israel Navon (Doron Tavory), que determina a derrubada de seu pomar com base nos conselhos da Força de Segurança Israelense que o considera uma ameaça à segurança do ministro e da nação, podendo servir de esconderijo a terroristas. Embora tenham lhe oferecido uma indenização pela perda dos limoeiros, Salma não quer permitir a destruição do cenário de toda uma vida, e decide levar o caso à justiça até sua última instância, ao lado do jovem advogado Ziad Doud (Ali Suliman). A partir disso, o enredo mostra de que maneira a simples plantação que garante a sobrevivência de uma sofrida viúva – a quem não lhe resta praticamente mais nada da vida do que o lugar onde passou toda sua existência – pode influenciar a política de um país. Apesar de ter nacionalidade israelense, Riklis consegue manter certo distanciamento e dar um tom bastante humano à relação entre os dois povos, mostrando criticamente como as desavenças entre israelenses e palestinos podem afetar drasticamente tanto um lado quanto o outro. A falta de alternativas que vai aos poucos desgastando a palestina Salma cria uma espécie de identificação entre ela e sua vizinha israelense Mira Navon (Rona Lipaz-Michael), esposa do ministro. Enquanto uma está presa pela justiça de um lado do limoeiro, a outra está atada do outro lado, mas por sua segurança. Porém, não são apenas as mulheres que sofrem com tal situação, como se percebe ao longo do filme. Além da sinopse curiosa e instigante, a atuação do elenco e a riqueza em detalhes também são pontos fortes em Lemon Tree. Desde os já conhecidos Hiam Abbass – que atuou em A Noiva Síria, Paradise Now e Free Zone – e Ali Suliman – que interpretou um dos homens-bomba de Paradise Now – até os estreantes Don Tavory e Rona Lipaz-Michael, todos apresentaram um desempenho impecável. Outro elemento que dá um toque especial à obra é a presença dos limões, que, não por acaso, substituíram as olivas da história verídica. Um filme em que é necessário se dizer muito falando pouco não teria obtido tal resultado sem tais características.
A cada dia que passa a tevê brasileira se supera mais. A que nível permitimos que chegasse a nossa mídia...
Após noticiar o episódio trágico ocorrido nesta quarta-feira em que seguranças da Supervia violentaram passageiros no Rio de Janeiro, tentando empurrá-los para dentro de um metrô completamente lotado, o Jornal da Globo apresentou uma comparação completamente esdrúxula e absurda. Primeiramente, foram apontadas as irregularidades da ação da concessionária, cujo contrato de concessão estabelece que ela deve prestar serviço com segurança e cortesia. Em seguida, o âncora do telejornal, William Waack, faz uma comparação, dizendo que no Japão, apesar da frequente superlotação, a cordialidade é mantida. Como se fosse um exemplo de serviço uma empresa de transporte público ter funcionários contratados exclusivamente para empurrar com delicadeza os passageiros para dentro do metrô.
Hoje liguei a tevê e ouvi as seguintes palavras: “A lei de Deus está acima de qualquer lei humana. Então, quando uma lei humana, quer dizer, uma lei promulgada pelos legisladores humanos, é contrária à lei de Deus, essa lei humana não tem nenhum valor”; pronunciadas pelo arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, a respeito da interrupção da gravidez de uma menina de nove anos que fora violentada pelo padrasto em Pernambuco.
Imediatamente pensei: desligar os aparelhos de uma pessoa que só sobrevive graças a eles é crime perante a lei humana, mas desde que a igreja católica existe já se conhece a lei de Deus e, naquela época, não existia a tecnologia atual, então, se não fosse a tecnologia, a vontade de Deus seria que essa pessoa morresse, pois sem os aparelhos ela viria a falecer. Assim, manter uma pessoa viva por meio de métodos artificiais seria crime perante a lei de Deus.
Estou enganada?
PS: Segundo a legislação brasileira, o aborto é permitido em casos de estupro e gravidez de risco. A gestação da menina atendia aos dois requisitos, por isso sua interrupção foi legal.
*Ou seriam contradições nas leis da igreja, que, sendo idealizada por humanos, acabaria sendo também uma lei humana bem como a que autoriza o aborto nos casos acima citados?
Depois de permanecer calada por dois dias, sem mexer sequer uma palha para explicar à população as acusações apontadas pelo Partido Socialismo e Liberdade contra o seu governo, Yeda Crusius resolveu se manifestar. Ignorou toda a imprensa gaúcha, que ansiava por uma palavra sua, para conceder, na sexta-feira, entrevista a um veículo de alcance nacional (Agência Estado) e mostrar (para todo o Brasil) como uma governadora deve se portar em relação a denúncias da oposição. Na quarta-feira, o PSOL chamou a imprensa para uma entrevista coletiva em que apresentou declarações fortíssimas contra o governo estadual. Segundo integrantes da legenda, eles tiveram acesso a provas – que estariam sob domínio do Ministério Público Federal – que fazem parte do processo que investiga o desvio de R$ 40 milhões do Detran e que comprovariam o envolvimento de integrantes do governo estadual na fraude. Apesar disso, Yeda acha que não deve explicações, pois confia na capacidade de discernimento do povo, que, segundo ela, não gosta de atitudes covardes como essas (qualificando as ações do PSOL). A governadora ainda comentou que isso “é uma seqüência da campanha dos outdoors [realizada pelos sindicatos], à qual o povo, que está ultrajado por essas acusações, reagiu indignado”. Eu, e creio que muita gente, gostaria que Yeda mostrasse essas reações indignadas da população em relação às “difamações contra o governo” porque, por enquanto, só o que vejo são manifestações de decepção e/ou desconfiança em relação ao governo do Estado. Não bastasse isso, Yeda ainda disse: “Trata-se de uma técnica usada para tentar desviar o foco do bom momento do governo. Colocamos as contas em dia...”. Entretanto, a declaração foi feita exatamente no mesmo dia em que foi anunciado déficit nas contas públicas do mês de fevereiro. Segundo o secretário estadual da fazenda, Ricardo Englert, deverão faltar R$ 142,1 milhões para pagar as contas deste mês, pois a arrecadação dos vinte primeiros dias do ano ficou R$ 20 milhões abaixo do que esperado. Diante disso, só é possível chegar a uma conclusão: ou a governadora não sabe o que se passa no próprio governo ou suas declarações não passam de demagogias, pois, enquanto elogia a inteligência do povo, nas entrelinhas, subestima sua capacidade de avaliação de discurso. Para piorar, depois de acusar o PSOL de rebaixar o nível da discussão política, afirmando que “parece que eles, por não terem o que dizer, usam armas que não são próprias da política gaúcha”, Yeda declarou não estar em busca de provas para comprovar sua inocência porque sua mãe lhe ensinou “a não responder a provocações de bêbado de porta de bar”. Devo então concluir que é este o modo decente como se deve discutir política no Estado. Não é o que acha o PSOL, que está avaliando a possibilidade de ir à justiça contra as palavras da governadora – que, segundo Luciana Genro, deputada federal pelo partido, não passam de ataques morais. Para a deputada, Yda “está se demonstrando desequilibrada e talvez, antes de ser deposta do governo, tenha que ser interditada porque parece que não tem mais nenhum equilíbrio para fazer o debate político no Estado”. Para não faltar mais nada, Yeda acusou o PSOL de requentar acusações para utilizar a imprensa como massa de manobra para propósitos golpistas, visando às eleições de 2010. Já é sabido que na proximidade de anos eleitorais cada um utiliza as armas que tem em favor próprio. Pois foi exatamente nesta obviedade que a governadora pisou na bola. Se o governo pensava em entrar na justiça contra as acusações do PSOL, agora deu a oportunidade de o partido também ter um motivo para querer enfrentá-lo judicialmente. No caso, a vantagem parece ser do PSOL, que – além de ter como álibi o suspeito suicídio de uma testemunha importante da fraude no Detran (ex-assessor do governo gaúcho em Brasília, Marcelo Cavalcante) – dependendo das circunstâncias, poderá solicitar na justiça que o Ministério Público apresente as provas de um processo que está em sigilo.
* Para que ninguém reclame, aí está meu post bilingue.
* Para que nadie si queje, ahí está mi post bilingüe. Por favor, amiguitos castellanos, probablemente he escrito mal alguna cosa... si pueden, corríjanme.
El cine argentino actual se ha demostrado especialista en pasar para la pantalla dramas corrientes de la clase media urbana, lo que por una razón aparentemente inexplicable ningún cineasta brasileño logró hacerlo todavía. La película más reciente de Daniel Burman, El Nido Vacío, es más un ejemplo de esa especialidad argentina, pero con una particularidad más. El director ya ha manifestado hace algún tiempo su habilidad en relatar historias que ponderan problemas familiares universales. La diferencia de su nueva obra es que – al contrario de sus anteriores lanzadas en Brasil, El Abrazo Partido (2003) y Derecho de Familia (2006), que tratan de personajes que tienen problemas ligados a la figura paterna – ahora quien tropieza en dificultades es el propio padre. Leonardo (Oscar Martínez) es un dramaturgo alrededor de los cincuenta o sesenta años que parece perder sus objetivos a partir del momento en que sus hijos dejan la casa. Mientras su esposa, Martha (Cecilia Roth), retoma antiguos proyectos, manteniéndose atareada con otras actividades en lugar de la ausencia de los hijos, Leonardo parece inconforme, intentando, en cada una de sus ocupaciones diarias, revivir un pasado que todavía no existe. La manera divergente como encaran esa nueva fase de la vida empieza a transformarse en un obstáculo a su matrimonio, que el protagonista aparenta más buscar motivos para destruir que para recuperar. El tema es aparentemente banal, pero la forma le trae algo innovador, haciéndonos reflexionar sobre una cuestión que está presente en la vida de gran parte de las personas, pero de modo nada convencional. Es difícil clasificar la narrativa de El Nido Vacío, pero, aunque parezca linear, es necesario ponerle atención a las entrelíneas, donde encontrase el gran mérito de la película. El origen de esa narrativa encontrase en el neurocirujano investigador, que utiliza el comportamiento de Leonardo de argumento para cuestiones de su investigación. Perturbado, el protagonista empieza a mezclar realidad e imaginación, lo que es puesto en la pantalla por Burman de forma tan nebulosa como la que el personaje ve la situación. Con el objetivo de acercar más el espectador de las sensaciones confusas enfrentadas por Leonardo, el director vincula la realidad del protagonista a las historias escritas por él, confundiendo aún más realidad y ficción. Así, el realismo fantástico utilizado por el director, no permite distinguir claramente lo que es de facto vivenciado por Leonardo a diario de lo que ocurre solamente en su mente. El Nido Vacío tal vez no sea la película más atractiva de Burman, pero vale la pena por varias razones. Además de la brillante actuación de Oscar Martínez, galardonado con el premio de mejor actor del Festival de San Sebastian el año pasado, y de la bella fotografía, también laureada en el mismo festival, la película se muestra interesante porque un director de solamente 35 años logró relatar con profundidad problemas por los cuales está lejos de vivenciar. Encima, la obra instiga una profunda reflexión sobre la fuga de realidad: ¿ella auxilia o perjudica la resolución de las dificultades impuestas por la vida?
Título original: El Nido Vacío Origen: Argentina, España, Francia, Italia Dirección y Guión: Daniel Burman Elenco: Cecilia Roth, Oscar Martínez, Arturo Goetz, Inés Efron, Ron Richter, Eugenia Capizzano, Jean Pierre Noher... Duración: 91 min Año: 2008 Tráiler en castellano:
O cinema argentino atual tem se demonstrado especialista em passar para a telona dramas corriqueiros da classe média urbana, o que por uma razão aparentemente inexplicável nenhum cineasta brasileiro alcançou ainda fazê-lo. O filme mais recente de Daniel Burman, Ninho Vazio, é mais um exemplo dessa especialidade argentina, porém com uma particularidade a mais. O diretor já vem há algum tempo manifestando sua habilidade em contar histórias que refletem problemas familiares universais. A diferença de sua nova obra é que – ao contrário de suas anteriores lançadas no Brasil, O Abraço Partido (2003) e As Leis de Família (2006), que tratavam de personagens com problemas ligados à figura paterna – agora quem esbarra em dificuldades é o próprio pai. Leonardo (Oscar Martínez) é um dramaturgo de cerca de cinqüenta ou sessenta anos que parece perder seus objetivos a partir do momento em que seus filhos saem de casa. Enquanto sua esposa Martha (Cecilia Roth) retoma antigos projetos, mantendo-se mais ocupada com outras atividades do que com a ausência dos filhos, Leonardo parece inconformado, buscando, em cada uma das suas ocupações diárias, reviver um passado que não existe mais. A maneira divergente de encarar essa nova fase da vida começa a se transformar em um obstáculo para seu casamento, que ele mais aparenta buscar motivos para levar ao fundo do poço do que para recuperar da má fase. O tema é aparentemente banal, mas a forma traz a ele algo de inovador, fazendo-nos refletir sobre uma questão que está presente na vida de grande parte das pessoas, porém de forma nada convencional. É difícil classificar a narrativa de Ninho Vazio, pois, ainda que pareça linear, é necessário dar atenção às entrelinhas, onde está o grande mérito do filme. A origem dessa narrativa está no neurocirurgião pesquisador, que passa a utilizar o comportamento de Leonardo de argumento para questões de sua pesquisa. Perturbado, o protagonista passa a mixar realidade e imaginação, o que é colocado na tela por Burman de forma tão nebulosa quanto àquela como o personagem percebe a situação. A fim de tornar ainda mais próxima do espectador o mar de sensações confusas enfrentadas por Leonardo, o diretor vincula a realidade do protagonista às histórias escritas por ele, confundindo ainda mais realidade e ficção. Assim, o realismo fantástico utilizado pelo diretor, não permite distinguir claramente o que está de fato sendo vivenciado por Leonardo no dia-a-dia daquilo que está se passa apenas na sua mente. Niño Vazio talvez não seja o filme mais atrativo de Burman, mas vale a pena por vários motivos. Além da brilhante atuação de Oscar Martínez, que ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de San Sebastian no ano passado, e da bela fotografia, também laureada no mesmo festival, o filme mostra-se interessante pelo fato de um diretor de apenas 35 anos conseguir relatar com tanta profundidade problemas pelos quais ele ainda está longe de passar. Além disso, a obra instiga uma profunda reflexão sobre a fuga da realidade: ela auxilia ou prejudica a resolução das dificuldades impostas pela vida?
Desde outubro do ano passado, quando li pela primeira vez uma crítica a respeito do filme italiano Caos Calmo, desejava imensamente assisti-lo. Porém, minha falta de disponibilidade de horários e a insuficiência de opções de sessões nas salas de cinema só me permitiram esse desfrute no último fim de semana. Apesar de já ter algumas informações sobre o filme, ele não deixou de me surpreender. Como todos comentavam (e ainda comentam) que apesar da direção de Antonio Luigi Grimaldi – que, aliás, teve com esse filme sua estréia no circuito comercial brasileiro – a obra era Nanni Moretti da primeira à última cena, acabei, confesso, esperando um segundo O Quarto do Filho, filme dirigido e protagonizado por Moretti que ganhou a Palma de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cinema de Cannes em 2001. Aliás, não é à toa a comparação com os filmes de Moretti, pois além de protagonizar Caos Calmo, foi ele quem teve a idéia de colocar a história do livro homônimo de Sandro Veronesi nas telonas e quem, ao lado de Laura Paolucci e Fancesco Piccolo, roteirizou a história. Entretanto, apesar do semelhante tema abordado por ambos – a seqüência da vida após a perda de alguém do núcleo familiar –, Caos Calmo aborda o assunto com menos dureza, de uma forma mais amena, oscilando entre momentos de gana em cair ao pranto e cenas que provocam gargalhadas extasiantes, enquanto o filme dirigido por Moretti é total imersão no sofrimento. Vencedor dos prêmios David Di Donatello de melhor música, canção original e ator coadjuvante, Caos Calmo conta a história de Pietro Paladini (Nani Moretti), um bem sucedido profissional da área audiovisual, cuja esposa morre no exato momento em que ele e seu irmão salvam duas mulheres estranhas que estão se afogando na praia. A partir disso, desencadeia-se um período de angústia que é, entretanto, vivenciado em meio a uma tremenda calmaria e que não poderia ser melhor traduzido pelo perfeito nome do filme, apesar da aparente contradição. Alguns fatos indicam que Pietro não era um pai, tampouco um marido, muito presente, o que aparentemente lhe causa sensação de culpa, principalmente em relação à filha Claudia (Blu Di Martino). Por isso, ele decide estar o resto dos seus dias o mais próximo possível da menina, inclusive enquanto ela está na escola, passando boa parte de seu dia sentado num banco da praça localizada exatamente em frente à janela da sala de aula da filha. Naquela praça, ocorre a maioria das ações da vida de Pietro, o que me parece uma ironia, talvez até uma sátira, em relação à vida corrida que grande parte das pessoas vive atualmente. A empresa onde Pietro trabalha está passando por uma importante transição, com a qual ele não está nem um pouco preocupado e, ainda assim, seus colegas e chefes se dispõem a se deslocar da empresa até a praça para discutir questões ligadas ao trabalho. Pietro parece, agora, mais preocupado em visualizar o mundo e as pessoas a sua volta, além de administrar sua atual situação particular, a qual todos parecem compreender e aceitar muito bem, demonstrando voluntariedade raramente vista hoje em dia. Todas essas situações nos dão de alguma forma subsídios para refletir sobre a grande questão do filme, que está justamente ligada à tranqüilidade daquela vida após um grande momento de perturbação, o que incita questionamentos sobre qual seria o real sentimento que assola tanto Cláudia quanto Pietro. Estariam eles sofrendo calados ou aquela morte não chegou a ser um baque em suas vidas? Isso só poder ser refletido, porém, vendo de perto as grandes contradições de seus personagens, que é o que os torna tão profundos e tão reais. Essas contradições acabam sendo exacerbadas em Pietro na cena mais polêmica do filme, uma cena de sexo que foi tremendamente criticada em seu lançamento na Itália. Além de destoar do restante da história, não há justificativas no enredo para seu desenvolvimento e traz à tela um Pietro completamente oposto daquele que vem sendo apresentado a nós durante todo o filme.
Nos poucos dias em que tive o prazer de desfrutar Buenos Aires, em uma virada de ano atípica, a capital argentina permitiu-me alguns outros prazeres. Tive a oportunidade de ver de antemão um dos novos filmes de Steven Soderbergh – Che, O Argentino – embora não tenha tido a mesma honra com sua continuação – Che, A Guerrilha – que ainda está por estrear. Quem está no Brasil e não compareceu a 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo terá que esperar até feveiro ou março, quando o filme deve estrear por aqui, para saber se concorda ou discorda do que vou dizer aqui. Bastante aplaudido no Festival de Cannes do ano passado, principalmente pela brilhante atuação de seu protagonista, interpretado pelo ator porto-riquenho Benício Del Toro, que recebeu o prêmio de melhor ator no festival, Che, O Argentino não deixa de ser um filme bastante polêmico. Embora tenha sido feito em uma linguagem documental, nem de longe o filme tenta ser imparcial. Soderbergh – mesmo diretor de Traffic (2000), Solaris (2002) e Bubble (2006) – apesar de sua excelente pesquisa histórica, não consegue ir além da imagem de herói atribuída a Che Guevara. O enredo conta a trajetória de ascensão de Ernesto Guevara de la Serna de médico a comandante na Revolução Cubana, a partir do momento em que ele conhece Raul Castro e é apresentado por este a seu irmão Fidel Castro. Então, Che decide ir à Cuba na companhia de Fidel e mais sete rebeldes no final de 1956, com o intuito de pôr fim à ditadura de Fulgêncio Batista. O filme está dividido em dois eixos narrativos: um deles põe o espectador diante das imagens do ocorrido desde a chegada dos revolucionários à ilha até a tomada de Santa Clara, enquanto o outro se passa em 1964 quando Guevara representa Cuba oficialmente nas Nações Unidas. Esses momentos são intercalados durante a narrativa: imagens mostram Guevara discursando nos Estados Unidos; na mesma ocasião, ele concede uma entrevista que aparece no filme através de vozes em off, cobrindo imagens que mostram as situações as quais ele se refere; logo em seguida, entram as cenas da guerrilha com o som referente à própria imagem. É bom não esperar momentos fortes e emocionantes ao longo da trama, pois apesar de filmes de guerra costumarem estar relacionados a muita ação, não é esse o caso de Che, O Argentino. Seu objetivo não parece ser envolver sentimentalmente o espectador, mas apenas mostrar documentalmente os fatos ocorridos. Entretanto, aí está a grande polêmica do filme de Soderbergh.
Sendo a proposta do diretor a proximidade com o documental, esperava-se mais detalhes da personalidade e da atuação de Guevara na Revolução Cubana. Porém, o diretor não consegue transpassar a imagem estereotipada do herói revolucionário, conveniente aos que por ele conservam certa admiração e revoltante para os que repugnam as ações do comandante. As imagens da guerrilha não são tão detalhadas e comoventes como poderiam, ao contrário das imagens do discurso de Guevara. Além da diferença de cor das imagens – enquanto as primeiras são coloridas, as segundas são em preto e branco – as imagens do discurso de Che são mais enfáticas, mostram detalhes da expressão do personagem em uma câmera com muito mais movimento e muito mais detalhes do que as imagens da guerrilha. Conseqüentemente, os momentos polêmicos da guerra, que poderiam provocar revolta ao público e levá-lo a questionar as atuações não só de Che, mas de todos os revolucionários, acabam justificados pelo discurso convincente e envolvente do excelente locutor que é Guevara. A violência é abrandada tanto de um lado quanto de outro. Poucas são as cenas de mortes dos revolucionários, bem como poucas são as de mortes de seus opositores. Portanto, apesar de ter sido deveras aplaudido onde já foi exbido, Che, O Argentino parece não cumprir sua proposta. Não estou afirmando aqui que Soderbergh errou ao exaltar a imagem de um Che Guevara humano. Porém, creio que se esse era seu objetivo não deveria ter utilizado o tipo de linguagem e estética que se vê no filme. Além disso, é possível evidenciar o lado bom e heróico de Guevara sem ocultar determinadas situações. Se a idéia era aproximar-se do documentário, como é o que parece, que se mostre os fatos, que se mostre o lado humano do Che e dos revolucionários, mas que não se esconda a violência utilizada para seus objetivos. Afinal, a discussão que perdura em relação a essa revolução é se a violência a justifica, e isso é completamente ignorado por Soderbergh. Se é para ser documental, que se tente deixar o espectador decidir de qual lado quer ficar. A grande qualidade do filme fica realmente nas mãos de Del Toro, que interpreta Guevara com uma veracidade nunca antes alcançada, e do restante excelente elenco composto por Rodrigo Santoro (dando vida a Raúl Castro em um espanhol quase impecável), Demián Bichir (interpretando Fidel Castro em uma semelhança assustadora), Santiago Cabrero (Camillo Sinfuegos), Elvira Mínguez (Célia Sánchez), etc.