terça-feira, junho 20, 2006

A sociedade só te fode, mas não te deixa foder

Convivo contigo há muito tempo, mas nunca te vi como naquele dia. Ainda que não saiba se te verei do mesmo jeito amanhã. Acabei de entrar no trabalho sem nenhum ânimo para colocar corpo e mente em ação. Cheguei cabisbaixa, sem a mínima vontade de viver este dia. Nem te dei o “oi” alegre, o beijo ou o abraço amigo já de praxe. Me resumi àquele “bom dia” sem sal da maioria das pessoas que acabou de levantar. Porém, eu não sou assim e, embora nem todos saibam disso, tu acabas de me provar que sabes. Chego aqui sempre em alto pique, pronta para subir uma montanha de cem metros de altura, se preciso. Não é meu dia. Em dias assim normalmente me irrito com o sorriso alheio, com o olhar brilhante, com os olhos rosados e sem olheiras. Mas, contigo, não me irritei hoje.

- Oi Julinha!!! – tu disseste, animado.

- Bom dia. – respondi, como se fizesse um favor. Cabisbaixa, olhei para ti com o canto dos olhos e caminhei da porta até o outro lado da sala, sem me dirigir a ninguém. Sentei à mesa e fingi me encarnar no trabalho. Fechasses o sorriso anterior, aquele que alegra qualquer um mesmo nos piores dias e que, hoje, não conseguiu produzir o mínimo efeito sobre a minha pessoa. Caminhastes, sério, até a mesa onde me encontrava sentada.

- Ju, vamos ali fora um pouco. Tu não estás bem.

Suspirei e te ignorei. Me restringi a isso e não te respondi absolutamente nada. Me levantei e saí da sala. Tu me seguiste. Me sentei no banco mais escondido que vi e tu me seguiu e sentaste ao meu lado. Pus o rosto entre as mãos e abaixei-me até encostar o rosto em meu próprio colo.

- Eu não agüento mais! – gritei quase explodindo, embora não fosses a pessoa ideal para eu desabafar tudo o que estava se passando comigo, tanto na realidade quanto na minha cabeça. Então, quando me dei por conta, decidi permanecer somente com essas palavras e não disse mais nada.

- Eu também não. – tu retrucaste num tom sério mesclado com um quê de tristeza.
-Que? – respondi surpresa pelo teu comentário e sem entender nada sobre a tua intenção ao dizer aquilo.

- Eu disse que não agüento mais te ver assim. – tu respondestes meio indignado com o meu não entendimento.

- Me ver assim? Mas hoje é exatamente a primeira vez em que me vês assim. – agora já estava absolutamente indignada por estares tentando te meter na minha vida e eu não estar entendendo nem um pouco aonde querias chegar.

- Ah, Ju. Por favor, né?! E tu ainda dizes que eu não te conheço! Faz, pelo menos, uma semana que estás assim.

Engraçado, ainda que de engraçado não tenha nada. Convivo contigo há mais de um ano e nunca reparei que prestavas atenção em mim. Nunca notei nada no teu sorriso amoroso e confortante, nem percebi que ele só aparecia assim para mim. Agora notei tudo, como se as coisas estivessem tão claras e a burra aqui nem tivesse dado bola.

- Tu me conheces? – sussurrei meio acanhada.

- Tu és incrível, Julinha. Só não sabe o que se passa na tua cabeça quem não quer, quem não presta atenção em ti. Tu passas a maior parte do tempo tentando disfarçar o que sabes que é indisfarçável e esforçando-te, do melhor jeito que podes, ainda que não consigas, para esconder tudo o que os teus olhinhos deixam transparecer.

- Não agüento mais não saber dos meus anseios, ou não compreendê-los. Não é justo eu... eu não saber a pessoa que sou e não entender o que quero. Não saber escolher, não...

Estou falando demais. Merda. Porra, eu morro de vontade de tascar um beijo nessa tua boca, que nem tão bonita assim é. Não agüento mais me segurar para não me atirar nesse teu corpo, nada sarado. Passo todos os dias tentando guiar meu pensamento para outro lado, embora já tenha percebido que é totalmente em vão meu esforço. Quero te agarrar e trepar contigo a noite inteira, o dia inteiro, a semana inteira ou o que precisar para saciar todo o meu tesão e nunca mais precisar sentir o que estou sentindo. Isso não me é permitido. Sou comprometida, não posso, não posso, não posso... Que sociedade é essa que me tortura e me julga, que até eu já estou censurando meus pensamentos e desejo. Não posso!!!

- Não...?

- Não posso pensar, nem desejar, nem querer fuder em paz! - Merda. Por que te metestes em meus pensamentos e fizesse eu falar, sem querer, o que eu queria, mas não podia falar?! Estou fudida!

- O que? – tu me olhaste meio encabulado, meio envergonhado, meio... sem graça e sem saber como dar continuidade àquela conversa.

Eu fiquei roxa, enrubescida de vergonha e quis sumir naquela hora. Ter super poderes e poder, com um simples pensamento, desaparecer. Mas sair correndo naquele momento seria uma ação completamente covarde e nada madura.

- Desculpa, Saulo. Acho que estou meio perturbada.

- Olha Ju, não sei o que se passa na tua cabeça ou no teu coração ou em ambos. Sei lá. Mas tu sabes nítida e claramente o que eu sinto e eu não vou mais tentar me conter porque faz um ano que tu sabes disso e ficas me enrolando do jeito que podes - ou que não podes. Não vou mais fingir que eu sou teu amigo porque.... porque... Eu te amo. Te quero. Te desejo. Sou louco para morder essa tua boca, arrancar essa tua roupa e fazer.... E tu acabas de provar que tens essa vontade, embora teus comentários não tenham contexto algum. Estou pouco me lixando se és louca, se és comprometida, se és fazida, se não queres... Se não queres, não quero tua amizade porque eu não sou teu amigo.

- Tu achas que é fácil? Tu achas que eu não quero, que...

Tu foste saindo, caminhando em direção à sala de trabalho e eu fiquei parada falando sozinha. Tive vontade de te arrancar os cabelos, de te esbofetear, de te soquear e descontar toda a minha raiva por teres aparecido na minha vida e teres confundido toda a minha cabeça.

- Te fode, porra!!! – gritei com toda a minha força. Quando percebi havia uma dúzia de panacas olhando para a minha cara e rindo, fazendo chacota, debochando da situação mais imbecil do mundo. Não acredito que eu passei por isso e que eu estou sentindo isso. Eu não quero entrar na sala, na mesma sala que tu.... Quando vejo minhas coisas “voando” janela afora. Entrei em crise de choro de desespero ou seja lá do que for.

Para onde será que vais depois daqui? Eu sei que eu vou me arrepender de fazer isso, mas se eu não fizer eu vou ficar louca, mais do que já estou. Vou subir pelas paredes de tanto tesão. De onde será que vem esse sentimento tão absurdo, incontrolável, animalesco...? Saí dali e fui até tua casa, embora não estivesses. Esperei na porta até a meia noite e não sei como não adormeci ali. De repente, te enxerguei.

- O que queres aqui? – tu fostes mais grosso do que uma patada de cavalo.

- Não vais me convidar para entrar?

Tu abriste a porta e entraste, sem esperar para que a “dama” entrasse primeiro. Foste entrando apartamento adentro, ignorando totalmente a minha presença.

- Tu achas que eu não quero, então? Essa noite vai ser foda, “meu amigo”, porque faz um ano que eu estou controlando minha vontade de trepar...

Tu surgiste do nada, sem sapatos e sem camisa. Não deixaste eu terminar minha frase e tapastes minha boca com a tua mão, deslizando-a por todo o meu rosto até chegar aos meus cabelos. Acariciaste-os e me puxaste contra ti. O calor tomou conta do meu corpo, acompanhado de uma sensação de medo, ansiedade e adrenalina nas alturas. Minha situação era tão trágica que acho que se tu metestes naquele hora eu gozaria instantaneamente. Mas, se nem todos os homens entendem o corpo feminino, tu entendes muitíssimo bem. Puta que pariu, como isso é bom!

Tu trepaste comigo até nenhum de nós agüentar movimentar um músculo se quer. Eu caí dura em um segundo, com a sensação de nunca ter tido tanto prazer na vida em tão pouco tempo. No dia seguinte, deu-se a tragédia de eu me acordar antes de ti. Te olhei dormindo e senti algo bem melhor do que a angústia que senti durante todo um ano. Me vesti e saí, com um pouco de arrependimento, ainda que com a certeza de ter feito a cosia certa. Cheguei em casa e meu “namorido” estava sentado na sala esperando minha chegada, que deveria ter-se sucedido há oito horas. Não esperei ele falar nada.

- Eu estou indo embora. Não me pergunta nada.

Ele me ajudou. Caiu no choro depois que eu bati a porta e nem imagina que eu desabei assim que pisei fora da casa dele. Mas eu traí a confiança que eu achava que tinha nele e isso era inadmissível para mim. Nunca mais vi nenhum dos dois. Nem meu ex, nem meu amante de uma única noite. Nem pretendo encontrá-los jamais. Depois de tanto me segurar, esta foi a primeira vez que eu me entreguei completamente aos meus desejos mais profundos. Não foi a primeira vez que senti isso e nem será a última, mas não posso mais esquecer.... “a sociedade não permite”.