quarta-feira, dezembro 17, 2008

"Vicky Cristina Barcelona" demonstra evolução do cinema de Woody Allen

Sempre tive um pé atrás em relação ao trabalho de Woody Allen, ainda que ele seja um dos mais reconhecidos diretores estadunidenses atuais. Porém, tenho que admitir que não se trata de uma resistência fortuita. Quando descobri que ele existia, em tempos remotos, resolvi assistir “Poderosa Afrodite” (1995). Minha primeira reação foi de indiferença, pois não achei o filme ruim, tampouco espetacular. Resolvi tentar mais uma vez e vi “O que você sempre quis saber sobre sexo, mas tinha medo de perguntar” (1972), então quase desisti de tentar gostar de Woody Allen. Mas como não tinha visto seus principais filmes, me vi obrigada a relevar. Assisti a mais alguns, mas eles apenas amenizaram minhas restrições ao cineasta, até que Woody lançou “Match Point” (2005), e tudo mudou. Então, resolvi ir ao cinema assistir seu novo “Vicky Cristina Barcelona” e, finalmente, descobri qual era meu problema com o Woody Allen. Não é que ele não seja um bom roteirista ou diretor, só não consigo suportar a presença dele por mais de dez minutos na tela. Basta tirá-lo de cena e seus filmes ficam o máximo, ainda mais na presença do excelente elenco que compõe a história de seu mais recente filme.
“Vicky Cristina Barcelona” conta a história de duas estadunidenses que decidem passar as férias em Barcelona. Vicky (Rebecca Hall) quer aproveitar o período e o local propício para avançar seus estudos sobre identidade catalã. Cristina (Scarlett Johansson) sofre uma profunda crise de identidade e vai tentar encontrar o que procura (ainda que não saiba exatamente o que é) na cidade espanhola. Elas são completamente diferentes e, já no seu primeiro dia de viagem, se deparam com uma situação inesperada e perdem um bom tempo discutindo que caminho seguir. Enquanto uma deseja ir para um lado, a outra quer exatamente o sentido oposto. Então, chegam a um acordo e, em pouco tempo, estão em uma pequena cidade do interior da Espanha na companhia de Juan (Javier Bardem), um pintor cuja vida é guiada totalmente pelas emoções. Juan desperta imediatamente uma profunda atração em Cristina e uma tremenda irritação em Vicky. Os três passam um fim-de-semana conturbado, confuso e mal-resolvido. De volta a Barcelona, Juan e Cristina iniciam um louco romance, o que parece estar satisfazendo imensamente a americana, juntamente com o dom artístico que vem descobrindo durante a viagem: a fotografia. Enquanto isso, Vicky vive um conflito interno a poucos dias de seu casamento com Doug (Chris Messina), que, devido ao trabalho, permaneceu nos Estados Unidos. A narrativa do filme é estável até o momento em que surge na tela Penélope Cruz, interpretando Maria Elena, ex-mulher de Juan. Trata-se de uma pintora de gênio forte, psicologicamente perturbada e que mexe com as emoções não só de todos os outros personagens, mas também dos espectadores. A partir de então, se inicia uma história insana de relacionamentos entre personagens que lidam de forma diferente com razão e emoção, mas que tem em comum a frustração em relação ao amor.
O novo filme do cineasta estadunidense conta uma história que incomoda, perturba e que dificilmente deixa um espectador apático. Por isso, embora resguarde diferenças em relação a suas obras anteriores, o filme traz características já marcantes e recorrentes na filmografia de Woody Allen: a busca por algo incerto, amores mal-resolvidos, reflexão profunda acerca da satisfação/insatisfação humana. Aqui, o diretor foi melhor sucedido na medida em que aborda um tema que está relacionado a sua vida pessoal, sem que, necessariamente, seu personagem seja interpretado por ele mesmo. Todos os atores tiveram atuações brilhantes, principalmente se comparadas à interpretação imutável do cineasta. Woody Allen sempre busca transpassar para a tela suas neuroses e seu pessimismo em relação à vida e, neste filme, parece que o diretor descobriu que isso pode ser feito sem que seus protagonistas sejam absurdamente neuróticos. Assim, filme mixa bastante bem momentos de tensão e graça, em que seus personagens oscilam entre o desfrute das situações prazerosas da vida e a reflexão sobre suas ações e seus desejos – alguns tendendo mais para um lado, outros para o outro. A história fica ainda mais amarrada diante da narração em off que analisa os personagens, dando um toque literário ao filme, e da trilha sonora, que não poderia ser mais apropriada: a música Barcelona, de Giulia y Los Tellarini.
Barcelona é, sem dúvida, uma das personagens da história. Não é à toa sua presença no nome do filme. Muitos criticaram a maneira como a cidade aparece, por evidenciar locais turísticos. Porém, creio que isso é feito de maneira natural na medida em que o filme narra a história de duas turistas, além de Vicky sempre relacionar as localidades a seus estudos catalães. O essencial é que é a cidade quem vai mexer profundamente com as americanas, seja pela presença viva da arte que incita suas emoções, seja pela fuga da rotina, que é totalmente diferente da vida nos Estados Unidos. Tudo isso, adornado por um colorido encantador, incitador de emoções, totalmente à la Espanha, mas completamente diferente de Woody Allen. Um dos pontos mais intrigantes é que, em Barcelona, elas vivem uma fuga da realidade, mas é exatamente ali que são trazidas de volta a ela.
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sábado, dezembro 13, 2008

Resvalou na folha verde, pingou na sua testa e escorreu, desceu... Estava completamente sozinha. Eu vi.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Poesia em formato cinematográfico

Estou num período de relembrar velhos momentos. Agora, depois de adulta, tento fazer releituras de um passado sobre o qual pouca coisa recordo. Essa não foi uma decisão que tomei um dia desses e que, a partir de então, passei a viver uma rotina de melancolias. Apenas, casualmente, fui obrigada a refletir sobre meu passado simplesmente porque não havia como não fazê-lo.
Há pouco, escrevi a vocês sobre o filme “Valentín”, do argentino Alejandro Agresti, no qual tive que tentar me colocar no lugar do pequeno menino de nove anos que se depara com a falta de sensibilidade dos adultos. Então, na última sexta-feira, precisei me transportar para sete anos de idade. Decidi pegar um filme que há tempos me chamava atenção na prateleira da locadora: “A Língua das Mariposas”, do espanhol José Luís Cuerda. Certamente não são filmes exatamente semelhantes, pois, embora tenham temáticas um tanto parecidas, seus enredos são totalmente distintos, mas ambos narram a história do ponto-de-vista de uma criança e, por isso, me remeteram ao passado. Entretanto, não quero traçar uma comparação entre ambos, até porque, se fosse o caso, faria uma comparação oposta a que deveria, pois o argentino foi filmado cinco anos depois do espanhol.
Lançado em 1999, “A Língua das Mariposas” é baseado em textos do livro “Qué me quieres, amor?”, de Manuel Rivas. O filme conta a história de Moncho (Manuel Lozano), um menino que, como a maioria das crianças, se depara com o medo de ir, pela primeira vez, à escola. Seu receio não é fortuito; se deve aos boatos de que os professores batiam nos alunos. Contudo, depois de um primeiro dia de aula vexatório, Moncho se surpreende com a maneira como seu professor, Don Gregório (Fernando Fernán Gómez), lida com seu acanhamento, e acaba voltando ao colégio por sua própria vontade. A partir daí, o menino começa uma seqüência encantadora de descobertas sobre o mundo. É incrível a atuação do ator-mirim, que muitas vezes demonstra suas fascinações claramente sem mencionar uma única palavra. A sensibilidade da história é ainda complementada pelo ambiente totalmente bucólico e pelas canções em saxofone, que toca Andrés (Alexis de los Santos), irmão do pequeno garoto.
Moncho tem uma relação muito próxima com três pessoas: seu professor, Andrés e seu colega Roque (Tamar Novas). É junto deles que realiza a maioria de suas descobertas, como a literatura, a música, a natureza, o amor, o sexo e até a política. Depois compartilha algumas descobertas com seus pais, demonstrando uma absurda fascinação pelo que conta. O filme transcorre num tom poético quase em sua totalidade. As interrupções decorrem porque a história se passa no período que antecede a Guerra Civil Espanhola e a ascensão de Francisco Franco ao poder. Com isso, o clima poético se mistura à angustiante perseguição aos republicanos, que são condenados à morte, o desespero dos que ficam sem eles, tendo que condená-los, e a frustração dos que negam seus ideais para se manterem vivos.
O filme trata mais da beleza que antecede o período crítico do que dele próprio, mas impõe reflexões profundas sobre como seria o futuro daquela gente, principalmente dos mais inocentes, condenados a odiar e a condenar aqueles que amam sem entender exatamente por quê. Por isso, voltei ao passado. Para tentar resgatar as emoções e os sentimentos puros que tinha naquela época e ver as situações com olhar de criança. Obviamente, não consegui, pois só consigo vê-las através de minha total experiência até hoje. Porém, é graças a ela que devo a compreensão dessa história aparentemente tão simples, mas demasiadamente profunda.
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