terça-feira, agosto 26, 2008

Futilidades do Festival de Cinema de Gramado

Apesar de elogiadíssima, tanto por organizadores como por participantes, a 36ª edição do Festival de Cinema de Gramado, que deveria ser centro de discussão sobre cultura e arte, cedeu espaço para o estrelismo e a tietagem, a exemplo do que se costuma verificar em eventos do tipo. A organização tem feito sua parte para colaborar com o debate acerca do tema proposto, mas o público, de modo geral, parece estar muito mais interessado nas celebridades do que no conteúdo que as acompanha.
A edição deste ano, que começou no dia 10 e terminou no dia 16 deste mês, desde o início já superou o público dos anos anteriores, atraindo, no dia da abertura, um número de pessoas equivalente ao normalmente registrado em seus encerramentos. Em parte, o ímã pode ter sido o filme “Nome Próprio”, de Murilo Salles, cuja atriz que interpreta a protagonista Camila, Leandra Leal, era uma das favoritas ao Kikito de melhor atriz da mostra brasileira. Nesse caso, é provável que o público tenha sido atraído mais pela presença da Leandra do que pelo próprio filme. Entretanto, quem parece ter sido realmente a grande atração do primeiro dia de festival é Renato Aragão (o Didi), que compareceu ao evento para receber uma homenagem especial, a quem inclusive o presidente do evento, Alemir Coletto, atribui à grande movimentação do dia 10 em Gramado.
Infelizmente, não tive a oportunidade de acompanhar o dia-a-dia do festival para verificar se a empolgação com as discussões acerca do cinema era tão grande quanto a persistência para conseguir uma foto com um ídolo. Porém, tive a honra (ou a decepção) de cobrir a cerimônia de premiação do evento, o que me pareceu um desserviço aos gênios da sétima arte, bem como uma tremenda falta de consideração com seus fãs.
Primeiramente, Eryk Rocha (o filho do Glauber!) declarou que prêmio não é importante porque depende do júri, então, se muda o júri, muda completamente o viés da premiação. E, óbvio, tem toda a razão, pois embora o júri seja, teoricamente, composto por pessoas que sabem muito sobre cinema, sempre existe a subjetividade, sempre existem características que parecem melhores para alguns e piores para outros. Segundo Eryk, os festivais são mais importantes para mostrar o trabalho e estimular a discussão. Já Murilo Salles afirmou que ganhar um Kikito é mais importante para o seu coração do que para a sua carreira, pois esta já está muito bem consolidada. Então, qual a moral da premiação? Não seria um estímulo à adulação pura e simples?
Por outro lado, dezenas de jornalistas aglomeravam-se, empurravam-se, acotovelavam-se em busca de declarações tão óbvias quanto patéticas: “o que você achou de ter ganhado o Kikito?”. Essa pergunta já foi respondida quando os artistas subiram no palco para receber o Kikito em mãos. Por outro lado, alguém acharia ruim ser premiado? Enquanto isso, dezenas de fãs espremiam-se tentando roubar as celebridades dos jornalistas para tirar fotos, para dar um beijo, para conseguir um autógrafo, enfim, para bajular de todas as maneiras possíveis. Cansados e, provavelmente, irritados, eles tentavam sair pouco a pouco pelo imenso caminho coberto pelo tapete vermelho que leva até a frente do Palácio dos Festivais. Livravam-se de dezenas de fãs e jornalistas para se depararem com centenas de pessoas, cuja maioria apenas gritava achando que todos que passavam pelo tapete eram famosos, não importa por quê. Se por um lado isso parece tudo uma grande bobagem, por outro, é papel do artista lidar com a tietagem e a bajulação, mas alguns vão saindo de fininho para não parecerem arrogantes. Leandra Leal foi um destes. A atriz ficou pouco mais do que quinze minutos após a solenidade para dar atenção a quem a requeria. Sentia-se mal, segundo informou uma produtora que, após levar Leandra, tentava arrastar Murilo Sales com o maior dos seus esforços, enquanto ele tentava manter a simpatia e parava para falar com todos que o acenavam. A fama não é fácil, mas muitas vezes o reconhecimento depende dela, embora com ele venham milhares de outras coisinhas chatas, banais, fúteis.
Por isso tudo, acho essa premiação uma grande bobagem, ao contrário do que presumo ser o restante do evento. Na minha restrita cobertura dos outros dias, feita por telefone, o espaço parecia bem mais estimulante à discussão. Realmente não sei o que dizer do público, pois não o vi e tampouco o ouvi. Creio que assim como o artista molda o público, o público também molda o artista, por isso espero que não tenha sido por nada que as pessoas tenham se dirigido às salas de exibição e que, pelo menos no interior dos espaços de debate, o público tanha transpassado a futilidade da maioria das pessoas que se aglomeravam em volta às grades que protegem o tapete vermelho, entupindo-se de vinho, fondue e chocolate e gritando para cada alma que viam passar.
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É lastimável que esse tipo de tietagem estenda-se para setores ainda mais importantes, como a política. O Jornal do Comécio de hoje divulgou que, ao meio dia de ontem, a candidata à prefeitura de Porto Alegre Manuela D'ávila mal conseguia debater com seus eleitores devido ao grande número de abordagens para fotos e autógrafos. Depois, todo mundo reclama do empobrecimento do conteúdo das propagandas e debates políticos. Do mesmo jeito que com os artistas, o público molda os políticos, assim como estes moldam o público. O agravante aqui é que eles nos representam, diferentemente dos artistas. Conseqüentemente, deveríamos exigir mais que sejam nosso reflexo, e aumentar a vaidade deles não colabora em nada.
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OBS: Devo a minha inspiração a este texto ao Rafael Cortez, repórter do CQC, que, em seu blog, escreveu um texto bastante reflexivo sobre a relação público-artista. Se puderem, dêem uma conferida. O link está na lista de blogs e sites que eu indico.

sexta-feira, agosto 22, 2008

Alucinação

Marcelo saiu de casa para a festa mais cedo do que o normal naquela noite de sábado. Estava desesperado porque não lhe restava nenhum resquício de crack em sua casa. Passou na boca mais próxima e comprou o suficiente para se entorpecer durante toda a noite. Estacionou o carro no canto mais escuro que havia perto dali. Fumou sem nem saber por que fumava. Antes se drogava com razão, ou, pelo menos, via algum motivo, algum sentido naquilo. Agora não via mais nada, não havia pretexto algum. Apenas deseja mais do que qualquer coisa aquela pedra, e seria capaz de tudo para consegui-la. Fumou até acreditar que era a pessoa mais excitada do mundo. A droga era melhor que sexo para ele. Desejava mais a pedra do que a loira mais gostosa do mundo. Não trocaria uma tragada por uma chupada por nada. Quando estava quase gozando de excitação, ligou o carro e saiu em direção à boate. Porém, não passou da segunda quadra. De fato, teve a gozada mais gostosa da sua vida. Ela foi tão, mas tão forte e alucinante que Marcelo delirou por alguns segundos. O bastante para chocar o carro contra um poste a 140 quilômetros por hora.
Era uma hora da madrugada quando o telefone tocou na casa de Lucas.
- Alô.
- Cara! O Marcelo meu... O Marcelo se matou! O Marcelo se matou!
- Quem tá falando?
- Lucas?
- Não. É o Carlos, pai dele. Quem tá falando?
- É o Vinícius. Por favor, avisa o Lucas que o Marcelo acabou de enfiar o carro num poste.
- Espera. Vou chamar ele.
Mas Vinícius já tinha desligado. Carlos caminhou até a porta do quarto de Lucas, mas não teve coragem de despertar o sono do filho com aquela notícia bombástica. Decidiu esperar a manhã chegar.
Do outro lado da porta, Lucas estava sentado na janela do seu quarto no décimo primeiro andar. Já sabia o que havia acontecido, pois atendeu o telefone no mesmo momento que seu pai e escutou todo o recado de Vinícius. Enquanto suas lágrimas escorriam incessantemente rosto abaixo, Lucas acendia o décimo baseado do dia. Simplesmente não sabia o que fazer. Estava acometido pela maior tristeza que já havia sentido em toda sua existência. Precisava acabar com ela de qualquer jeito. A melhor coisa a fazer era ligar para Joana. Fumariam e trepariam durante toda a madrugada sem um segundo de trégua. Joana era uma máquina. Esperou seus pais dormirem, pegou o carro e foi buscá-la. Passaram na boca mais próxima e compraram erva suficiente para se entorpecerem durante toda a noite. Estacionaram o carro no canto mais escuro que havia perto dali. Apesar de desejar mais do que nada, meter naquela loira magnífica que estava ao seu lado, não podia fazê-lo sem antes se entorpecer. Precisava do baseado. Ele abria a mente, o deixava mais sensível, aumentava seu prazer, melhorava 100% a qualidade do sexo. Sabia que Joana pensava o mesmo. Detonaram um baseado e Lucas não agüentou esperar para sair da dali. Forçou a mina a ficar de quatro no banco de passageiro deitado e fez tudo o que desejava. Ela resistia, mas ele nem notava. Quando atingiu o ápice de sua excitação, caiu para o lado e apagou de cansaço. Joana, que não tinha chegado onde queria, indignada, foi embora. Mas, na verdade, Lucas fingia. Não dormia. Tinha nojo daquela mina. Não tinha acabado com sua tristeza e não suportava mais nenhum segundo estar com alguém que não era capaz de livrá-lo dela. Esperou alguns minutos para ter certeza de que Joana já estava longe. Acendeu outro baseado, ligou o carro e voltou para casa, fumando doidamente. Do seu quarto, no décimo primeiro andar do edifício onde morava, olhava, vidrado, para a calçada lá debaixo. Lembrou-se de Suzana. Precisava de alguns minutos na companhia daquela garota adorável. Mas será que ela ainda se importava com ele, mesmo depois de dois anos de seu sumiço? Ainda se lembraria dele? Não custava tentar.
- Alô.
- Suzana?
- Eu...
- Su, é o Lucas.
- Oi, Lucas. Quanto tempo. Tudo bem?
- Estou ligando às quatro horas da madrugada para uma pessoa com quem não falo há dois anos. O que achas?
- O que houve?
- Preciso conversar e não encontrei ninguém mais adequado que tu.
- Que tu tá fazendo?
- Sentado na janela do meu quarto, fumando um baseado e olhando a ausência de movimento que toma conta da calçada lá embaixo.
- ...
- Meu melhor amigo se matou.
- Que? O Marcelo? Como?
- Bateu o carro contra um poste, o desgraçado. Deve ter fumado crack até não poder mais.
- Não fica assim... ele se drogava loucamente... tu já sabias que era difícil não acontecer nada com ele. Ele estava louco pelo crack, Lucas. Era a maior paixão da vida dele...
- Não. Era a maior ilusão da vida dele, obsessão da vida dele. Era tão ruim que já tinha até perdido o sentido.
- Tu ainda tá fumando?
- Tô. É isso que me irrita. Eu já cheirei, já tomei bala, já tomei ácido, já fumei crack... mas nunca fiquei viciado. Sempre só experimentei, sempre gostei de experimentar, mas parei com tudo. Só fumo maconha agora, que tu sabes que é leve e me faz bem pra caralho. Eu estudo melhor quando estou chapado, eu penso melhor, eu sou uma pessoa melhor...
- Será?
- É um filho da puta, cara! Eu não posso suportar isso. É demais para mim. Eu ensinei o cara a dirigir. Eu acendi o primeiro baseado dele, eu mostrei toda a vida da perdição pra ele, mas eu saí e ele não.
- Lu...
Lucas chorava como criança e nem ouvia o que Suzana falava.
- Que que eu faço, Suzana?
- Tu ainda tá fumando na janela?
- Tô. Por quê?
- Quantos tu fumou?
- Sei lá, Su. Meu amigo se matou e tu tá preocupada com a quantidade de maconha que eu fumei?
- Sai da janela, Lu. Por favor.
- Pra quê? Tô admirando a beleza da monotonia da madrugada dessa cidade.
- Posso ir aí conversar contigo?
- Não. Já vi que não vais me arrancar esta dor.
- Ninguém vai, Lu.
- ...
- Lu?
- ...
- Lucas? Lucaaassss!!!!!!!!!

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Uma vez me disseram, ao ler este texto, que eu tenho uma visão deturpada dos drogados. Pode ser, mas não estou a fim de entrar na onda para tirar a prova. Pelo menos eu tenho o álibi de que este conto é inspirado em um fato real.