domingo, agosto 27, 2006

Menina-moça

Uma porta cinza fria. Porém, basta abri-la para ver uma realidade totalmente oposta à remetida por aquele pedaço de madeira que separa um cômodo de outro. O ambiente convida à psicanálise. Não somente por um quarto mostrar bastante sobre a personalidade de uma pessoa, mas também porque Freud está presente por todos os lados, em páginas e mais páginas. Na parede ao lado da porta, um espelho grande – daqueles que reflete o corpo inteiro de uma pessoa – com um leãozinho pendurado no canto superior direito. O bichinho tem um coração vermelho na ponta do rabo e outro no peito. Um animal selvagem e valente, mas com um quê de meiguice. No canto esquerdo superior do espelho, coladas na parede, uma meia-lua e estrelas que brilham no escuro quebram um pouco as situações chatas do dia-a-dia e possibilitam à garota sonhar.
Ao lado do espelho uma mesinha branca de computador, antiga, transformada em escrivaninha. Livros como O corpo fala e Como trabalha um psicanalista mesclam características adultas de uma pessoa que já é quase capaz de analisar alguém psicologicamente com elementos trazidos da infância e da adolescência. Em cima da mesa, representando esse passado, um arquivo cuja capa tem uma menina, ainda criança, usando um chapelão rosa com bolinhas brancas, que lhe cobre o rosto, envolto por uma fita azul. Ao lado, uma lixeira minúscula, cor de rosa, e um ursinho verde de porcelana que segura lembretes. Uma jovem estudante de psicologia que parece ainda não ter decidido se cresceu o bastante para se tornar adulta ou se prefere a realidade infantil. Ainda que num espaço não tão extenso, Kelly ainda deixa vivos resquícios de sua infância e sua adolescência, convivendo e dividindo lugar com a adulta de agora.
A primeira impressão é de um quarto infantil. Apesar do edredom florido, azul, amarelo e branco, que dá um tom de jovialidade, os primeiros objetos a saltarem aos olhos de quem entra no seu quarto são bonecas e ursos que cobrem a cabeceira da sua cama branca. Em meio às cobertas, aconchegado a um travesseiro, um coração vermelho com asas brancas. Alguém que já pode amar. O que se confirma pelos dois porta-retratos com fotos dela ao lado do namorado, postos na cabeceira da cama. O rostinho sensual das fotos contrasta com os brinquedos ao lado. Na mesinha de cabeceira branca, localizada ao lado da cama, um telefone coberto de recortes de revista traz à tona elementos da adolescência. Uma toalhinha de crochê amarela cobre o criado-mudo, onde, junto com o telefone, há um abajur cor-de-rosa, combinando com a escova de cabelo, e uma bonequinha de porcelana.
A mistura de cores dos móveis não padronizados, os colchões encostados em uma das paredes e o pequeno guarda-roupa cheio de coisas em cima representam bem a menina interiorana que deixou a família para traz em busca de uma possibilidade melhor de estudos na capital. Alguém cuja maturidade e responsabilidade ainda não estão completamente formadas, mas que, aos poucos, vão delineando-se. A saudade da família está bem representada em fotografias. Em cima da estante do computador, há um porta-retrato, em que um ímã em forma de envelope, selado com um coração, prende a foto de Kelly entre seus pais. Logo abaixo, no mesmo porta-retrato, a família reunida: pai, mãe, irmão, irmã, ela e a avó, rodeados por três ímãs amarelos em forma de coração. Ao lado está o irmão, Guto, acompanhado do cunhado, namorado de Kelly. A infância também é mantida, através de fotos, bem próxima de si. Em um porta-retrato rosa cheio de desenhos de flores amarelas e vermelhas e, ainda, uma bonequinha toda colorida, Kelly, ainda bebê, dá gargalhadas no meio de vária almofadas. Essa foto contrasta com sua imagem sentada no colo do namorado com um sorriso para lá de meigo.
Abaixo, na mesma estante, cremes, perfumes, bijuterias e presilhas de cabelo convivem amigavelmente com os livros da época de colégio, dicionários e alguns livros de agora. Escondido, lá atrás das coisas, um coração almofada vermelho. Em cima de uma pilha de livros, nota-se uma revista da Avon. Uma pessoa já capaz de ser uma boa, ou má, vendedora. Em detalhes, objetos representam o oposto. Ao lado do computador há um casal de porcelana sentado numa cama de ferro. Eles usam roupas antigas e a menina segura um ursinho de pelúcia. Perdido no meio dos materiais de estudo, um urso Panda segura um coração vermelho.
Um quarto de uma menina-mulher que quebra a dureza e a frieza da vida adulta com detalhes alegres do passado. Alguém apaixonada ao extremo. Se não pela vida ou pelas pessoas, pelo menos por corações, que estão presentes em todos os cantos do seu quarto. Mas madura. Uma garota que parece ainda não ter determinado se quer realmente crescer. Talvez tente entender os outros através da psicologia em busca de compreender a si mesma.

terça-feira, junho 20, 2006

A sociedade só te fode, mas não te deixa foder

Convivo contigo há muito tempo, mas nunca te vi como naquele dia. Ainda que não saiba se te verei do mesmo jeito amanhã. Acabei de entrar no trabalho sem nenhum ânimo para colocar corpo e mente em ação. Cheguei cabisbaixa, sem a mínima vontade de viver este dia. Nem te dei o “oi” alegre, o beijo ou o abraço amigo já de praxe. Me resumi àquele “bom dia” sem sal da maioria das pessoas que acabou de levantar. Porém, eu não sou assim e, embora nem todos saibam disso, tu acabas de me provar que sabes. Chego aqui sempre em alto pique, pronta para subir uma montanha de cem metros de altura, se preciso. Não é meu dia. Em dias assim normalmente me irrito com o sorriso alheio, com o olhar brilhante, com os olhos rosados e sem olheiras. Mas, contigo, não me irritei hoje.

- Oi Julinha!!! – tu disseste, animado.

- Bom dia. – respondi, como se fizesse um favor. Cabisbaixa, olhei para ti com o canto dos olhos e caminhei da porta até o outro lado da sala, sem me dirigir a ninguém. Sentei à mesa e fingi me encarnar no trabalho. Fechasses o sorriso anterior, aquele que alegra qualquer um mesmo nos piores dias e que, hoje, não conseguiu produzir o mínimo efeito sobre a minha pessoa. Caminhastes, sério, até a mesa onde me encontrava sentada.

- Ju, vamos ali fora um pouco. Tu não estás bem.

Suspirei e te ignorei. Me restringi a isso e não te respondi absolutamente nada. Me levantei e saí da sala. Tu me seguiste. Me sentei no banco mais escondido que vi e tu me seguiu e sentaste ao meu lado. Pus o rosto entre as mãos e abaixei-me até encostar o rosto em meu próprio colo.

- Eu não agüento mais! – gritei quase explodindo, embora não fosses a pessoa ideal para eu desabafar tudo o que estava se passando comigo, tanto na realidade quanto na minha cabeça. Então, quando me dei por conta, decidi permanecer somente com essas palavras e não disse mais nada.

- Eu também não. – tu retrucaste num tom sério mesclado com um quê de tristeza.
-Que? – respondi surpresa pelo teu comentário e sem entender nada sobre a tua intenção ao dizer aquilo.

- Eu disse que não agüento mais te ver assim. – tu respondestes meio indignado com o meu não entendimento.

- Me ver assim? Mas hoje é exatamente a primeira vez em que me vês assim. – agora já estava absolutamente indignada por estares tentando te meter na minha vida e eu não estar entendendo nem um pouco aonde querias chegar.

- Ah, Ju. Por favor, né?! E tu ainda dizes que eu não te conheço! Faz, pelo menos, uma semana que estás assim.

Engraçado, ainda que de engraçado não tenha nada. Convivo contigo há mais de um ano e nunca reparei que prestavas atenção em mim. Nunca notei nada no teu sorriso amoroso e confortante, nem percebi que ele só aparecia assim para mim. Agora notei tudo, como se as coisas estivessem tão claras e a burra aqui nem tivesse dado bola.

- Tu me conheces? – sussurrei meio acanhada.

- Tu és incrível, Julinha. Só não sabe o que se passa na tua cabeça quem não quer, quem não presta atenção em ti. Tu passas a maior parte do tempo tentando disfarçar o que sabes que é indisfarçável e esforçando-te, do melhor jeito que podes, ainda que não consigas, para esconder tudo o que os teus olhinhos deixam transparecer.

- Não agüento mais não saber dos meus anseios, ou não compreendê-los. Não é justo eu... eu não saber a pessoa que sou e não entender o que quero. Não saber escolher, não...

Estou falando demais. Merda. Porra, eu morro de vontade de tascar um beijo nessa tua boca, que nem tão bonita assim é. Não agüento mais me segurar para não me atirar nesse teu corpo, nada sarado. Passo todos os dias tentando guiar meu pensamento para outro lado, embora já tenha percebido que é totalmente em vão meu esforço. Quero te agarrar e trepar contigo a noite inteira, o dia inteiro, a semana inteira ou o que precisar para saciar todo o meu tesão e nunca mais precisar sentir o que estou sentindo. Isso não me é permitido. Sou comprometida, não posso, não posso, não posso... Que sociedade é essa que me tortura e me julga, que até eu já estou censurando meus pensamentos e desejo. Não posso!!!

- Não...?

- Não posso pensar, nem desejar, nem querer fuder em paz! - Merda. Por que te metestes em meus pensamentos e fizesse eu falar, sem querer, o que eu queria, mas não podia falar?! Estou fudida!

- O que? – tu me olhaste meio encabulado, meio envergonhado, meio... sem graça e sem saber como dar continuidade àquela conversa.

Eu fiquei roxa, enrubescida de vergonha e quis sumir naquela hora. Ter super poderes e poder, com um simples pensamento, desaparecer. Mas sair correndo naquele momento seria uma ação completamente covarde e nada madura.

- Desculpa, Saulo. Acho que estou meio perturbada.

- Olha Ju, não sei o que se passa na tua cabeça ou no teu coração ou em ambos. Sei lá. Mas tu sabes nítida e claramente o que eu sinto e eu não vou mais tentar me conter porque faz um ano que tu sabes disso e ficas me enrolando do jeito que podes - ou que não podes. Não vou mais fingir que eu sou teu amigo porque.... porque... Eu te amo. Te quero. Te desejo. Sou louco para morder essa tua boca, arrancar essa tua roupa e fazer.... E tu acabas de provar que tens essa vontade, embora teus comentários não tenham contexto algum. Estou pouco me lixando se és louca, se és comprometida, se és fazida, se não queres... Se não queres, não quero tua amizade porque eu não sou teu amigo.

- Tu achas que é fácil? Tu achas que eu não quero, que...

Tu foste saindo, caminhando em direção à sala de trabalho e eu fiquei parada falando sozinha. Tive vontade de te arrancar os cabelos, de te esbofetear, de te soquear e descontar toda a minha raiva por teres aparecido na minha vida e teres confundido toda a minha cabeça.

- Te fode, porra!!! – gritei com toda a minha força. Quando percebi havia uma dúzia de panacas olhando para a minha cara e rindo, fazendo chacota, debochando da situação mais imbecil do mundo. Não acredito que eu passei por isso e que eu estou sentindo isso. Eu não quero entrar na sala, na mesma sala que tu.... Quando vejo minhas coisas “voando” janela afora. Entrei em crise de choro de desespero ou seja lá do que for.

Para onde será que vais depois daqui? Eu sei que eu vou me arrepender de fazer isso, mas se eu não fizer eu vou ficar louca, mais do que já estou. Vou subir pelas paredes de tanto tesão. De onde será que vem esse sentimento tão absurdo, incontrolável, animalesco...? Saí dali e fui até tua casa, embora não estivesses. Esperei na porta até a meia noite e não sei como não adormeci ali. De repente, te enxerguei.

- O que queres aqui? – tu fostes mais grosso do que uma patada de cavalo.

- Não vais me convidar para entrar?

Tu abriste a porta e entraste, sem esperar para que a “dama” entrasse primeiro. Foste entrando apartamento adentro, ignorando totalmente a minha presença.

- Tu achas que eu não quero, então? Essa noite vai ser foda, “meu amigo”, porque faz um ano que eu estou controlando minha vontade de trepar...

Tu surgiste do nada, sem sapatos e sem camisa. Não deixaste eu terminar minha frase e tapastes minha boca com a tua mão, deslizando-a por todo o meu rosto até chegar aos meus cabelos. Acariciaste-os e me puxaste contra ti. O calor tomou conta do meu corpo, acompanhado de uma sensação de medo, ansiedade e adrenalina nas alturas. Minha situação era tão trágica que acho que se tu metestes naquele hora eu gozaria instantaneamente. Mas, se nem todos os homens entendem o corpo feminino, tu entendes muitíssimo bem. Puta que pariu, como isso é bom!

Tu trepaste comigo até nenhum de nós agüentar movimentar um músculo se quer. Eu caí dura em um segundo, com a sensação de nunca ter tido tanto prazer na vida em tão pouco tempo. No dia seguinte, deu-se a tragédia de eu me acordar antes de ti. Te olhei dormindo e senti algo bem melhor do que a angústia que senti durante todo um ano. Me vesti e saí, com um pouco de arrependimento, ainda que com a certeza de ter feito a cosia certa. Cheguei em casa e meu “namorido” estava sentado na sala esperando minha chegada, que deveria ter-se sucedido há oito horas. Não esperei ele falar nada.

- Eu estou indo embora. Não me pergunta nada.

Ele me ajudou. Caiu no choro depois que eu bati a porta e nem imagina que eu desabei assim que pisei fora da casa dele. Mas eu traí a confiança que eu achava que tinha nele e isso era inadmissível para mim. Nunca mais vi nenhum dos dois. Nem meu ex, nem meu amante de uma única noite. Nem pretendo encontrá-los jamais. Depois de tanto me segurar, esta foi a primeira vez que eu me entreguei completamente aos meus desejos mais profundos. Não foi a primeira vez que senti isso e nem será a última, mas não posso mais esquecer.... “a sociedade não permite”.

quarta-feira, março 22, 2006

No Satisfaction

Eis que fui numa outra formatura. Odeio formaturas. Em especial essa, da história. Não exatamente por ser da história.
Foi no sábado, 18 de fevereiro de 2006. Acreditávamos que seria às 18h30min. E para lá fomos, para o salão de atos da Ufrgs. Eu e o Felipe, meu namorado. Eu me equilibrando em cima de um tamanco com um salto minúsculo, emprestado da mãe do Fipa, já que eu tinha ido para a casa dele sem nenhuma preparação para uma “festa”. Depois de ter atravessado, cambaleando na sandália, a Oswaldo Aranha, chegamos. Olhamos à procura do meu irmão e de sua namorada, que lá também deveriam estar. Somente rostos desconhecidos. Procuramos um lugar e sentamos, mas não ficamos nem cinco minutos. Foi o tempo de um dos alunos agradecer pela sua formação como bibliotecário. Nos olhamos, ao mesmo tempo, rindo e decepcionados. A formatura que queríamos era às 21h. No mesmo dia. No sábado, 18 de fevereiro de 2006. No dia do show, no Brasil, da última turnê dos Rolling Stones. Mas como disse, mais tarde, um dos formandos “A Ufrgs tem um calendário de formaturas. Fazer o que...”. Eu ainda tinha esperanças de que a cerimônia acabasse cedo, mas não. Saímos de lá às 24h. Quando entramos em casa o show acabara há pouquíssimos minutos. Em vez de assistir “meus queridos” cantando “Satisfaction”, I really could get no satisfaction.
Mas o evento foi legal. Fora o fato de que eu ter ficado lá sentada durante três horas ouvindo alguns proclamarem seus ideais e outros, na platéia, debocharem. Quando achei que tudo estava acabado, chamaram o professor homenageado, mas para minha felicidade ele disse que os alunos haviam roubado seu discurso. Oba, pensei, agora ele não vai ter quase nada pra falar. Triste engano. Fiquei mais, no mínimo, meia hora ouvindo um blá-blá-blá acerca das cotas nas universidades e um idealismo que só o clã deles entende sobre “educação para todos”, “temos que lutar por isso” e talz. Talvez, como já disse o Longhi, o dever dos professores devesse ser, de fato, ensinar e educar em qualquer circunstância, assim como os médicos prestam juramento ao se formarem, deixando claro que seu dever é lutar pela vida seja em que circunstância for. Mas dizia o Longhi que os professores tornaram-se como ele, insensíveis, e abandonaram seus ideiais e que, além disso, demonstram isso a cada greve em que lutam por um “miserê” de aumento em seus salários preterindo os alunos com sede de aprender. Mas será que, se os professores deixaram de lado seus ideais, os alunos ainda continuam sendo aqueles tão sonhados estudantes curiosos e dedicados que querem aprender a todo custo e circunstância? Acho que não. Acho, como foi dito milhões de vezes na formatura da história, que a educação é um direito de todos, mas também acho que as cotas nas universidades resolvem parte do problema e ignoram o cerne da questão. Se você construir uma casa cheia de detalhes em cima de uma base mal estruturada, não adianta nada, porque, com o tempo, a base deteriorar-se-á e a beleza que está ao alcance dos nossos olhos vai por água abaixo. Resumindo, tapa-se o sol com a peneira. Talvez a comparação seja ridícula, mas quantos dizem coisas absurdas com as quais milhões de pessoas concordam?! Pelo menos eu acredito nas coisas, para alguns ridículas, que digo, pior os que dizem sem nem entender, copiam de outro sem nem acreditar. Talvez eu já tenha fugido do que eu realmente quero dizer, mas estou tentando chegar lá, enquanto fujo do meu rotineiro trabalho. Faltam-me coisas pra fazer, por isso escrevo. Deveria fazê-lo sempre. São muitas idéias, mas tantos motivos para evitar pô-las no papel. Eis que já estou aqui. Enrolando.
A questão é que fiquei naquela cerimônia “desumana” durante um tempão, ouvindo coisas que eu realmente não estava com vontade de ouvir. Muitos, creio eu que a maioria da população, querem que todos tenham educação, querem que os políticos sejam mais sensatos e honestos, querem que o país, não seja o melhor de todos, seja agradável e que faça nós sentirmos um pouco de orgulho dele. Mas é engraçado ver os sonhos de tanta gente serem separados por facções ridículas. Ver algum partido que tenha um ideal grande e bom repartir-se por, às vezes, peculiaridades insignificantes, que fazem a maior parcela desistir de lutar, com a força necessária, para atingir um objetivo maior, mais importante e significante. Assim, o povo divide-se em grupos minúsculos e com pouca força, deixando de se aliarem em busca de um grande ideal. Mais ou menos assim me senti naquela formatura. Enquanto uns falavam, outros na platéia riam, debochando das “besteiras” que os que estavam no palco falavam. Mas quem pensa realmente besteiras? E quem determina se uma coisa é besteira ou não? O que me irritou foi que muita gente que não estuda história provavelmente tem ideais em comum, mas eles fecham-se tanto no “mundinho” deles que acabam isolando o resto sem nem perceber. Não estou direcionando isso apenas aos historiadores, formados ou em formação, apenas citei-os porque presenciei-os durante um tempo suficiente para me indignar. Não com eles especificamente, mas com as pessoas de modo geral. Porém, é provável que eu tenha ficado deveras chateadas com o show que eu já tinha me programa há um tempo para ver e não vi.
Retrocedendo, sobre o Longhi e a greve dos professores, não si se a paralisação é deles é valida. Acho que eles sentem-se injustiçados, não todos, alguns deles. Porque, infelizmente, não são todos que tem boas intenções com a greve. Sabemos bem que muita gente que trabalha em serviço público faz para ter serviço mole, já que no serviço privado, teoricamente, se não cumprimos nossa obrigação somos imediatamente “despejados”. Entretanto, no serviço público não é tão mole assim. Enquanto milhões de pessoas rezam todos os dias, pedindo ao Deus que nem sabem bem se existe ou não, emplorando para que um trabalho surja, assim, repentinamente, outras ficam lá “coçando” durante o trabalho e não podem ser demitidas assim, do nada, porque prestaram concurso público. Desculpem-me, mas eu me indigno sim! Me indigno porque todos os movimentos sociais que têm boas chances de darem certo e chegarem a algum lugar contaminam-se pelo caminho, assim como os políticos, assim como o nosso “querido” Lula.Porém, vejo muita gente reclamando do ponto de vista dos alunos, que ficarão sem aula e enquanto muitos deles vão para a televisão dizer que lamentam a greve porque estão perdendo dias de aula, quando, na verdade, não estam nem aí para o aprendizado. De novo, não estou generalizando. Há, sim, exceções.
É isso tudo o que me incomoda. E o que me deixou deveras “atormentada” na formatura. Um monte de gente jurando amor e dedicação a profissão, quando muitos já se formam com o intuito de passar os outros para trás ou, quem sabe, ganhar a vida de um jeito fácil. Na verdade, muitos nem estão preocupados com a educação. Quem dera estivessem. A verdade é que é minúscula a quantidade de gente daquela turma que realmente lutará até o fim dos seus dias pelo que acha correto. De dinheiro todo mundo precisa, mas o que vale é quem une seus interesses e as coisas pelas quais quer lutar. E pra isso é preciso muita sabedoria.
Já falei de milhares de coisas num texto só. Talvez pareçam desconexas, mas, na minha cabeça, estão deveras ligadas entre si. Enfim, perdi meu show para ouvir milhares de idelizações de coisas que talvez jamais se realizem. Pelo menos, estava muitíssimo bem acompanhada. Melhor, impossível.

sábado, janeiro 07, 2006

É chegada a hora

É a minha vez. Eu preciso levantar, abraçar meus colegas, pular a minha música e comemorar, como todo mundo já fez. Tenho que tomar coragem e caminhar em direção àquela bancada. Com meu capelo na mão, para entregá-lo a alguém que o colocará na minha cabeça conferindo-me o grau de alguma profissão que nem me lembro qual, tamanho é meu nervosismo. E, depois, calmamente, dirigir-me ao microfone, posicionar-me frente àquela platéia tão vultosa que, ansiosa, aguarda as minhas belíssimas palavras.
Mas eu estremeço. Simplesmente porque não tenho idéia do que falar. Não posso esquecer de agradecer. Não posso esquecer ninguém. Todos, até agora, foram imbuídos de romantismo, tomados por um sentimentalismo contagiante, mas meu ceticismo me faz questionar o quão verdadeiro ele é. Todo mundo chora, emocionado. Mas eu não consigo. Simplesmente porque não sei se desmorono em lágrimas devido a minha tamanha alegria ou a minha imensa tristeza. Não sei. Porque me sinto imensamente feliz por estar aqui e agora, por ter lutado tanto e ter chegado onde cheguei, ter alcançado meus objetivos ou, pelo menos, parte deles, eis que quero mais, muito mais. Porque me sinto demasiadamente triste, pois, no meu caminho até aqui, logrei momentos tão bons e gratificantes que tenho dúvidas de se quero deixá-los pra trás. E, na dúvida se choro de alegria ou de tristeza, deveria ser mais intenso meu pranto, mas acabo simplesmente não chorando, nem uma lágrima, nem, ao menos, uma simples gotícula.
Fico paralisada, sem saber exatamente se por nervosismo ou por não ter a mínima idéia do que falar. E travo porque todos declaram em público seu amor, seu amor aos pais, aos namorados, aos irmãos e a todos que merecem. Se é que, de fato, merecem. Não. Não estou dizendo que não merecem o amor, nem a declaração do amor. Refiro-me aos agradecimentos de formatura. Se é que eles merecem.
Fico anestesiada em frente a esse tão imenso público por não conseguir enxergar em que parte ele começa e em que parte termina. Sinto-me constrangida e nem um pouco à vontade, simplesmente por não saber declarar meu amor e por achar que esse momento não foi feito pra declarar amor algum. Mas o mais estranho é que o que me atormenta não são os desconhecidos que por ventura estejam aqui. O que me incomoda e me angustia são os que me conhecem. É meu medo de esquecer as pessoas, de não saber falar direito ou de, simplesmente, não falar quando todos esperam que eu fale. Quero agradecer somente a quem realmente me ajudou a estar aqui hoje. Porém, não posso. As circunstâncias não me permitem ou, talvez, as pessoas não me permitam.
Não quero cair nas mesmices e começar agradecendo a Deus, como a maioria fez. Até porque seria hipócrita, já que tenho grandes dúvidas sobre sua existência.
Talvez devesse agradecer a minha universidade, por ela ser pública, gratuita e de qualidade. Entretanto, paira minha incerteza sobre se ela é, de fato, tão boa assim. Muitas vezes briguei por não achar os professores suficientemente bons, pela falta de estrutura e pela mínima quantidade de vagas. Se não fosse a Ufrgs eu teria chegado aqui de uma outra forma, e, mesmo que não estivesse aqui e que nunca chegasse onde estou, procuraria um meio alternativo de conquistar meus objetivos. Ainda que não me formasse, ainda que não fizesse porra alguma de faculdade.
Vivemos hoje em função disso, angustiados dia-a-dia pensando “tenho que ter um curso superior”. E nos formamos, às vezes nem tanto por querer, mas porque a sociedade, de certa forma, exige isso. “Ou morreremos de fome”. Mas o que nunca nos avisaram é que poderemos “morrer de fome” mesmo tendo uma profissão.
Posso agradecer a meus amigos. Mas não a todos, até porque muitos me atrapalharam no meu caminho. Bem, talvez esses não sejam realmente meus amigos. Mas como decepcionar em frente a este monte de gente pessoas que eu adoro e simplesmente preteri-las? A questão é que as pessoas confundem. O fato de eu não agradecer alguém aqui não quer dizer que a pessoa não é importante pra mim. Isso não é uma cerimônia de declaração de amor. Estou aqui pra agradecer somente quem teve relevância direta no meu caminho até aqui e quem, de fato, colaborou de alguma maneira para que eu aqui chegasse.
Agradecerei aos meus pais porque deles não posso esquecer. Não só porque eles ficariam muito sentidos, mas porque eles realmente merecem meu agradecimento. Não simplesmente porque os amo, acho que agradecer alguém, nesta ocasião, simplesmente por amor não tem relevância alguma. Mas eles merecem. Primeiro porque se não fosse por eles eu não estaria aqui, neste mundo. Depois, porque, se não fosse pelos conselhos do meu pai, nem jornalismo eu estaria fazendo. Mas também tenho que agradecer a minha própria coragem de ter largado o curso quase na metade em uma universidade particular para fazer cursinho de novo e entrar na federal. Se fosse pelos meus pais eu não teria feito isso de jeito algum. “Tu vai te atrasar guria”, retumbava na minha mente a frase deles. “Hoje parece que não, mas na hora que fores procurar emprego tua idade fará diferença e quanto mais tarde tu te formares, pior.” Isso me incomodava, me angustiava e não deixava eu fazer as coisas que realmente eu queria fazer. Mas bati pé e saí da particular. Não me arrependo. Amadureci muito nesse tempo e hoje acho que fiz o melhor.
Posso agradecer, quem sabe, a mim mesma por ter batalhado o suficiente e conseguido entrar na federal e não estar gastando rios de dinheiro em uma universidade particular em que o ensino, que deveria ser muito melhor do que o das federais, não é tão entusiasmante assim. Acho que o fato de eu estar aqui eu devo principalmente a mim mesma. A minha vontade, ao meu empenho e dedicação. Mas parece ridículo agradecer a si mesmo, porque ninguém acredita que possa chegar até aqui somente com sua própria força. E talvez não possa. Porém, muito da nossa conquista devemos a nós mesmos, eis que ainda que outras pessoas nos apóiem, se não tivermos garra pra ir lá e fazer o aconselhado e o sonhado, nada aconteceria. Nada se realizaria.
Então, vejo, de longe, todos que vieram aqui, nesta noite, me prestigiar e enrubesço. E, com medo de magoar os outros, sou a pessoa mais sem graça, que, ao invés de fazer um discurso, não faz alusão a ninguém, diz apenas “obrigado” e sai. Se é para magoar alguns e fazer outros chorarem de emoção, não digo nada. E nada muda, continuo empossada jornalista. Num clã diferente dos que aqui agradeceram, com tanta eloqüência, até quem não queriam agradecer.

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Como boa parte dos que estão lendo aqui sabem, ainda não me formei. E estou ainda um pouquinho distante disso. Porém, o tempo passa voando e foi, na quinta-feira, na formatura da minha amiga Léli, que fiquei refletindo acerca dos discursos das pessoas e de seus agradecimentos. E, de uma conversa a respeito disso com meu namor, acabei me inspirando pra escrever este textinho. Mas, por favor, não me chamem de hipócrita ou demagoga caso na minha formatura eu não aja deste jeito. É muito fácil ver tudo isso sendo a platéia. Entretanto, ainda não tenho condições suficientes para saber como é ser o prestigiado. Se eu fizer tudo ao contrário do que diz aqui, não se espantem, estará aqui uma crítica feita por mim a mim mesma.