Insistentemente eu lhe direcionava olhares e palavras repletos de subtextos. Ele insistentemente fugia de meus olhares e de minhas palavras. Apenas quando inevitável, restringia-se a responder “sim” ou “não”. Raramente, deixava escapar um “por quê?”, fingindo certo interesse. De repente, começou a me telefonar incansavelmente sem nem saber por quê: “Onde estás?”, “Como estás?”, “O que estás fazendo?”. Esperava eu responder, convidá-lo para algo, inventava uma desculpa qualquer nada convincente e desligava. Depois de um ou dois meses, não recordo bem, encontrei-o propositadamente numa festa. Ele cumprimentou alguns conhecidos, acenou-me de longe e dirigiu-se ao outro lado da pista de dança da boate, como um bichinho acanhado que se encolhe num canto quando se depara com locais ou seres desconhecidos. Eu estava lá só por causa dele, mas parecia que ele não entendia e insistia em me ignorar. Não conhecia nem uma pitadinha da minha persistência. Qualquer uma já teria desistido por orgulho, por raiva ou simplesmente por desilusão, por achá-lo um tremendo pateta. Mas eu atravessei a pista em direção ao bar, escolhi um aperitivo qualquer, sem muito interesse nem preocupação em saber o que estava bebendo, e discretamente deslizei meus olhos pelo ambiente, buscando aquele rosto apoucado. Pela timidez ele se esconderia fácil, fácil, mas sua cabeleira loira e seus olhos azuis reluzentes o denunciariam sempre, em qualquer lugar, por mais escuro que fosse: estava sozinho, asilado num canto qualquer. Fui até ele, ofereci minha bebida, tentei esboçar algum tipo de diálogo, mas ele não parecia muito interessado na conversa. Despejei milhares de palavras desconexas que pareciam não lhe fazer o mínimo sentido. Então, diante da falta de interesse em meu papo, ele me beijou.
Nos dias seguintes, ele fazia questão de me cumprimentar e direcionar sobre mim algumas palavras que demonstrassem seu duvidoso interesse. Falava coisas sem importância, calava, ficava vermelho e me convidava para almoçar. Nos dias seguintes, eu descobri que, finalmente, me livrara do outro. Calava, falava coisas sem importância e aceitava o convite. Foi tudo indo assim, meio devagarzinho, como um tumor que a gente nem sabe que existe e, de repente, quando o percebemos já tomou conta de nós. Ele continuava com o mesmo jeito desajeitado e inibido, mas pelo menos não ignorava mais meus olhares e palavras. Um dia, senti um desejo absurdo de abrir meu coração e contar-lhe tudo, mas um temor e uma vergonha terrível tomaram conta de mim. Não consegui pronunciar nenhuma palavra de uma única sílaba que fosse, e meu sangue subiu como nunca e parecia estar todo ele disputando espaço na minha pequena e delicada face. O resto do corpo gelou, mas minha cara pegava fogo só de pensar. Havia momentos em que ele parecia um total desconhecido para mim, mesmo depois de mais de um ano convivendo quase que diariamente. Sentia-me retraída e parecia outra pessoa diante daquele ser que eu amava tanto. Definitivamente, não era eu.
Ele sorria charmosamente na minha direção, fazia-me cosquinhas, abraçava-me docilmente, me colocava apelidos idiotas, que pareciam os mais românticos do mundo. Mas faltava algo e era algo difícil de descobrir o que era, mas fácil de perceber que não podia faltar. De repente, percebi que novamente eu lhe dirigia olhares não correspondidos, perguntas sem respostas, longos monólogos em que minha voz retumbava na sala e voltava para mim após encontrar as paredes. Meu telefone não tocava mais, nem para esboçar aquelas secas e forçadas palavras. Passavam-se dias, então eu ligava e ele perguntava: “Onde estás?”, “Como estás?”, “O que estás fazendo?”, fingindo alegria em receber minha ligação. Esperava eu responder, convidá-lo para algo, inventava uma desculpa qualquer nada convincente e desligava. Certo dia, irritei-me e deixei a raiva e a tristeza consumirem-me, mas não liguei. Depois de uma semana, esbarramo-nos por acaso, e ele teve de me dar alguma satisfação – mínima, que fosse. Então, percebi o temor que ele também sentia de mim, mesmo depois de dois anos de convivência quase que diária. Ficou rodeando, rodeando, soltando palavras sem sentido algum, tentando formar frases que beiravam à esquizofrenia. Eu não entendia nada, não sabia de onde ele tinha partido, onde ele estava e, muitos menos, onde queria chegar. Assim, tive um lapso de coragem instantâneo e falei o que antes temia mortalmente: “Eu te amo”. Era tarde, eu já sabia. Mas era cedo demais ainda para ele. Mais um silêncio ignorava as minhas palavras, mas, àquela altura, eram apenas palavras, antes nunca ditas, tampouco ouvidas.
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OBS: Devo a tradução do Valentín... eu sei. Tá quase... quase...