domingo, setembro 23, 2007

Sonhadores em meio à revolução


Na década de 1960 em Paris, Henri Langlois é banido da direção da Cinemateca Francesa, desencadeando manifestações estudantis que acabaram tornando-se violentos tumultos de cunho político, social e moral. É nesse contexto que se desenvolve a trama do filme Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci, mas não é exatamente esse o seu tema. Bertolucci centra-se mais no que ocorre lado a lado e no que se mantém escondido em meio à revolta do que de fato nela.
Durante as manifestações, três jovens têm suas vidas unidas pela paixão pelo cinema. Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel), gêmeos siameses, nutrem uma curiosidade em relação ao norte-americano Mattheu (Michael Pitt), que vai à Cinemateca sempre sozinho. Surge, então, uma oportunidade de contato entre eles, que se identificam instantaneamente. Identificam-se tanto que, assim que seus pais viajam, os irmãos convidam, ou melhor, praticamente intimam Mattheu a trocar o seu pequeno quarto pelo apartamento onde moram. Inicia-se uma estranha relação entre os três, que entremeia momentos de infantilidade e maturidade, imaginação e realidade – características já marcantes em alguns filmes do diretor italiano, como O Último Tango em Paris.
A história transcorre praticamente toda dentro de um apartamento, de onde os três quase nunca saem. Sua diversão é fazer adivinhações sobre cinema, ouvir música e discutir questões políticas e cinematográficas, enquanto ignoram a realidade que está do outro lado da porta. O pseudo-interesse pelos movimentos revolucionários pode ser percebido pela falta de contato dos jovens com as notícias, pelo abandono dos colegas da faculdade por parte de Theo e Isabelle e, principalmente, pela frase de Mattheu direcionada a Theo: “se você realmente acreditasse no que diz, estaria lá fora com os manifestantes”.
A narrativa centra-se durante a maior parte do tempo nos três protagonistas, mas não se torna, em nenhum momento, cansativa, demonstrando a competência de Bertolucci. A inserção de trechos de cenas clássicas do cinema acompanhadas dos maiores sucessos de rock da época exemplifica os diálogos, atraindo ainda mais o interesse do espectador. O diretor utiliza-se ainda de insinuações, deixando fatos quase se sucederem, mas não se sucedem. O espectador fica na expectativa de que tudo apareça na tela, mas não, Bertolucci prefere deixar nas entrelinhas.
O filme é repleto de cenas de nudez, sexo e masturbação, mas todas transcorrem na maior naturalidade. As representações de Eva, Louis e Michael colaboram ainda mais para sua eficácia; são tão convincentes, que nem parecem atuações. Ameaçado de censura antes de seu lançamento em 2003, Os Sonhadores acabou sendo exibido na íntegra. Não teria nenhum motivo para ser diferente, pois não há excesso algum.
O filme não se trata de nenhuma apelação pornográfica que ocorre em meio a um período tumultuado da história européia somente por ocorrer. Retrata os alienados que vivem a realidade como se fosse cinema e aderem à revolução mesmo sabendo pouco sobre ela.

2 comentários:

wagner disse...

tenho várias restrições a todos os filmes do bertolucci que vi, inclusive este. mas achei muito interessante em "os sonhadores" a questão: quem está "ensinando a liberdade" a quem? pois o tempo todo parece que são os irmãos que a estão ensinando ao norte-americano, mas depois, a meu ver, isso se inverte.

lermen disse...

Esse filme é excelente!

Crítico, instigante e uma tentação a virar um "porra lôca".

Enfim, esse filme tem uma gama de interpretações a serem feitas, mas tu e o carinha aqui de cima fizeram observações bem legais.

No mais, quanto tempo, hein menina?

Beijo!

Lermen