Três meses de vida em Buenos Aires foram suficientes para transformar Mercedes Sosa numa das minhas maiores decepções. Quase um ano depois de sua morte, deixou de ser meu ídolo para se tornar um grande exemplo do dito popular “faça o que digo, mas não faça o que faço”.
Há algumas semanas, numa sexta-feira à noite, peguei um táxi para ir ver um amigo tocar. O taxista puxou assunto e acabou, durante o trajeto, me contando que em muitos anos de trabalho já havia levado daqui para lá e de lá para cá muita gente famosa. O assunto começou porque justamente neste mesmo dia havia levado em seu táxi Mirta Busnelli - conhecida atriz argentina de teatro, cinema e televisão. Contava-me que ela lhe havia tratado com extrema falta de educação, simplesmente pelo fato de ele não ter feito nenhum alarde porque ela era famosa. Revelou-me que já havia se decepcionado com muitas pessoas conhecidas a quem admirava depois de esbarrar no dia-a-dia com elas. Resulta que termina decepcionando-me também, pois no meio de suas histórias estava Mercedes Sosa.
Sua primeira decepção refere-se à falta de sensibilidade de La Negra em relação a seus fãs. Um dia, ele estava no aeroporto junto a sua esposa, quando avistou a cantora de longe. Como se tratava de um de seus grandes ídolos, decidiu se aproximar. Eis que a tão exaltada artista lhe pede que por favor se afaste, se retire e deixe-a em paz, pois não tem vontade de falar com ninguém e quer ficar sozinha. Não bastasse isso. O taxista me conta que sua admiração por Mercedes se esvaiu ainda mais depois que ela apoiou a candidatura de Mauricio Macri para a prefeitura de Buenos Aires. Foi então que também a minha admiração se transformou em repugnância.
Explicando... Mauricio Macri é o atual prefeito da capital portenha e fundador do partido direitista Compromiso para el Cambio, que preside desde 2003 quando foi criado. Elegeu-se em 2007, interrompendo seu mandato de deputado federal, cargo que exercia desde 2005. Macri é um empresário, filho do líder de um dos mais importantes grupos econômicos da Argentina, que engloba atividades do setor automobilístico, construção, lixo, correio, comunicação, mineração, etc. Além disso, de 1995 a 2007 foi presidente do Club Atlético Boca Juniors, cargo em que ainda se manteve por um tempo quando já era prefeito. Além disso, Macri está sendo acusado de realizar escutas ilegais.
Confesso que minha primeira reação foi duvidar do tal taxista, pois esta história me parecia um pouco absurda. Depois, pensei que absurdo seria ele inventar isso, já que facilmente eu descobriria que se tratava de uma mentira. Decidi investigar. Eis algumas das coisas que encontrei:
Justo ela, que era conhecida por ser a voz dos sem voz. Macri definitivamente tem voz e uma das mais fortes.
OBS: Se isso tudo não passa de um grande equivoco, que alguém me prove por favor... ficaria demasiadamente contente em descubrir que tudo isso é uma mentira.
3 comentários:
Bah, q merda! Quero mentir pra mim mesma ainda. Poxa vida...logo la negra??!
Bem como diz a música de Belchior:
Hoje eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando vil metal...
oi Aline!
de fato o envolvimento da Mercedes Sosa em arrulhos com macri é já notícia "harto conocida". Mesmo nutrindo profundas críticas a este político autoritário que envergonha a consciência republicana, não me decepciono totalmente com La Negra. A sapiência política reside em tomar uma decisão coerente quando justamente as contradições afloram e produzem conflito social (no dito popular, é o mesmo que não ser cagão). Mercedes Sosa soube fazer isso ao longo da sua vida, a tal ponto de que o chamegos com macri convertem-se em ecos marginais de um repertório consciente.
Devemos lembrar que La Negra, que trouxe "un pueblo en su voz", carregou, também, consigo todas as tensões e paradoxos que marcam o atuar político dos grupos populares.Mesmo célebre, Mercedes nunca abdicou de condutas que a relacionavam indefectivelmente, com seu grupo social de origem: as classes laboriosas da província de tucumán. Por isso mesmo, ela vacilou. Em alguma medida, rechaçou as ideologias dominantes e em alguma medida reproduziu-as. Esse é o karma dos sujeitos históricos.
Deixemos aos taxistas o papel de fazer julgamentos cômodos, incompletos - e que, por isso mesmo, soam tão absurdos, tão descabidos -, julgamentos de volante, vazios e fugazes, desses que se nutrem das arguições oferecidas pelo Clarín.
Sugiro-te um texto que se publicou em Página 12 no dia seguinte da morte de la Negra. Ali há ponderações interessantes: http://www.casamerica.es/opinion-y-analisis-de-prensa/cono-sur/mercedes-la-voz-que-fue-un-continente
beijo
Alex
Assim como todos nós, Mercedes Sosa não deve ter sido nem "a voz dos sem voz" nem uma mercenária hipócrita. Deve ter sido, sim, algo entre as duas coisas. A vida é assim mesmo, cinza, a gente é sempre a coluna do meio.
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