sexta-feira, agosto 22, 2008

Alucinação

Marcelo saiu de casa para a festa mais cedo do que o normal naquela noite de sábado. Estava desesperado porque não lhe restava nenhum resquício de crack em sua casa. Passou na boca mais próxima e comprou o suficiente para se entorpecer durante toda a noite. Estacionou o carro no canto mais escuro que havia perto dali. Fumou sem nem saber por que fumava. Antes se drogava com razão, ou, pelo menos, via algum motivo, algum sentido naquilo. Agora não via mais nada, não havia pretexto algum. Apenas deseja mais do que qualquer coisa aquela pedra, e seria capaz de tudo para consegui-la. Fumou até acreditar que era a pessoa mais excitada do mundo. A droga era melhor que sexo para ele. Desejava mais a pedra do que a loira mais gostosa do mundo. Não trocaria uma tragada por uma chupada por nada. Quando estava quase gozando de excitação, ligou o carro e saiu em direção à boate. Porém, não passou da segunda quadra. De fato, teve a gozada mais gostosa da sua vida. Ela foi tão, mas tão forte e alucinante que Marcelo delirou por alguns segundos. O bastante para chocar o carro contra um poste a 140 quilômetros por hora.
Era uma hora da madrugada quando o telefone tocou na casa de Lucas.
- Alô.
- Cara! O Marcelo meu... O Marcelo se matou! O Marcelo se matou!
- Quem tá falando?
- Lucas?
- Não. É o Carlos, pai dele. Quem tá falando?
- É o Vinícius. Por favor, avisa o Lucas que o Marcelo acabou de enfiar o carro num poste.
- Espera. Vou chamar ele.
Mas Vinícius já tinha desligado. Carlos caminhou até a porta do quarto de Lucas, mas não teve coragem de despertar o sono do filho com aquela notícia bombástica. Decidiu esperar a manhã chegar.
Do outro lado da porta, Lucas estava sentado na janela do seu quarto no décimo primeiro andar. Já sabia o que havia acontecido, pois atendeu o telefone no mesmo momento que seu pai e escutou todo o recado de Vinícius. Enquanto suas lágrimas escorriam incessantemente rosto abaixo, Lucas acendia o décimo baseado do dia. Simplesmente não sabia o que fazer. Estava acometido pela maior tristeza que já havia sentido em toda sua existência. Precisava acabar com ela de qualquer jeito. A melhor coisa a fazer era ligar para Joana. Fumariam e trepariam durante toda a madrugada sem um segundo de trégua. Joana era uma máquina. Esperou seus pais dormirem, pegou o carro e foi buscá-la. Passaram na boca mais próxima e compraram erva suficiente para se entorpecerem durante toda a noite. Estacionaram o carro no canto mais escuro que havia perto dali. Apesar de desejar mais do que nada, meter naquela loira magnífica que estava ao seu lado, não podia fazê-lo sem antes se entorpecer. Precisava do baseado. Ele abria a mente, o deixava mais sensível, aumentava seu prazer, melhorava 100% a qualidade do sexo. Sabia que Joana pensava o mesmo. Detonaram um baseado e Lucas não agüentou esperar para sair da dali. Forçou a mina a ficar de quatro no banco de passageiro deitado e fez tudo o que desejava. Ela resistia, mas ele nem notava. Quando atingiu o ápice de sua excitação, caiu para o lado e apagou de cansaço. Joana, que não tinha chegado onde queria, indignada, foi embora. Mas, na verdade, Lucas fingia. Não dormia. Tinha nojo daquela mina. Não tinha acabado com sua tristeza e não suportava mais nenhum segundo estar com alguém que não era capaz de livrá-lo dela. Esperou alguns minutos para ter certeza de que Joana já estava longe. Acendeu outro baseado, ligou o carro e voltou para casa, fumando doidamente. Do seu quarto, no décimo primeiro andar do edifício onde morava, olhava, vidrado, para a calçada lá debaixo. Lembrou-se de Suzana. Precisava de alguns minutos na companhia daquela garota adorável. Mas será que ela ainda se importava com ele, mesmo depois de dois anos de seu sumiço? Ainda se lembraria dele? Não custava tentar.
- Alô.
- Suzana?
- Eu...
- Su, é o Lucas.
- Oi, Lucas. Quanto tempo. Tudo bem?
- Estou ligando às quatro horas da madrugada para uma pessoa com quem não falo há dois anos. O que achas?
- O que houve?
- Preciso conversar e não encontrei ninguém mais adequado que tu.
- Que tu tá fazendo?
- Sentado na janela do meu quarto, fumando um baseado e olhando a ausência de movimento que toma conta da calçada lá embaixo.
- ...
- Meu melhor amigo se matou.
- Que? O Marcelo? Como?
- Bateu o carro contra um poste, o desgraçado. Deve ter fumado crack até não poder mais.
- Não fica assim... ele se drogava loucamente... tu já sabias que era difícil não acontecer nada com ele. Ele estava louco pelo crack, Lucas. Era a maior paixão da vida dele...
- Não. Era a maior ilusão da vida dele, obsessão da vida dele. Era tão ruim que já tinha até perdido o sentido.
- Tu ainda tá fumando?
- Tô. É isso que me irrita. Eu já cheirei, já tomei bala, já tomei ácido, já fumei crack... mas nunca fiquei viciado. Sempre só experimentei, sempre gostei de experimentar, mas parei com tudo. Só fumo maconha agora, que tu sabes que é leve e me faz bem pra caralho. Eu estudo melhor quando estou chapado, eu penso melhor, eu sou uma pessoa melhor...
- Será?
- É um filho da puta, cara! Eu não posso suportar isso. É demais para mim. Eu ensinei o cara a dirigir. Eu acendi o primeiro baseado dele, eu mostrei toda a vida da perdição pra ele, mas eu saí e ele não.
- Lu...
Lucas chorava como criança e nem ouvia o que Suzana falava.
- Que que eu faço, Suzana?
- Tu ainda tá fumando na janela?
- Tô. Por quê?
- Quantos tu fumou?
- Sei lá, Su. Meu amigo se matou e tu tá preocupada com a quantidade de maconha que eu fumei?
- Sai da janela, Lu. Por favor.
- Pra quê? Tô admirando a beleza da monotonia da madrugada dessa cidade.
- Posso ir aí conversar contigo?
- Não. Já vi que não vais me arrancar esta dor.
- Ninguém vai, Lu.
- ...
- Lu?
- ...
- Lucas? Lucaaassss!!!!!!!!!

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Uma vez me disseram, ao ler este texto, que eu tenho uma visão deturpada dos drogados. Pode ser, mas não estou a fim de entrar na onda para tirar a prova. Pelo menos eu tenho o álibi de que este conto é inspirado em um fato real.

2 comentários:

wagner disse...

Muito bom o conto. Tu escreve muito bem. Mas se me permite uma sugestão, ali no final acho que não precisa daquela frase: "Um estrondo rompe o silêncio da madrugada". Talvez ficasse melhor a informação de que o cara se jogou apenas com a cena seguinte: Suzana o chama e ele não responde, porque aí fica nas entrelinhas. Sei lá, só uma sugestão.

E quanto a tua crítica à minha crítica sobre o Banheiro do Papa, acho que tens razão. Sei que tentar explicar um texto ou inventar uma desculpa para ele é tão inútil quanto tentar ressuscitar um morto, mas memso assim, farei os dois:
A tentativa de explicar: eu não quis falar que o filme não é tão bom, apenas dizer que a criação de expectativa influencia na tua visão de um filme, de um livro etc.
A invenção da desculpa: como o texto fala sobre expectativa, criei uma expectativa de que falaria mal do filme e acabei falando bem. Metalinguagem, entende? Mas é claro que não pensei nisso quando escrevi. Inventei agora. Desculpa esfarrapada.

Bom, e o jogo do Inter... domingo, que tal?

Beijo
Wagner

Rafa Mano Diverio disse...

Bah... brilhante!