Júlio Hernández Cordón, Federico Veiroj e Mónika Wagenberg
Atualmente é bastante comum falar em cinema latino-americano. Porém, quem saberia defini-lo? O tema é extremamente complicado. Apesar de apresentarem diversas características comuns, as distinções entre o que feito em cada um dos países também são muito evidentes. O assunto não poderia ficar de fora do Bafici (Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente); e não ficou. Tampouco tenderia a ser um tema consensual em seu todo; e, claramente, não foi. Pelo menos não entre os três profissionais de diferentes nacionalidades que participaram da mesa de debates titulada “Nuevos Caminos del Cine Latinoamericano”.
Mónika Wagenberg – colombiana, diretora do Festival de Cine de Cartagena e idealizadora da Cinema Tropical (distribuidora de cinema latino-americano nos Estados Unidos) – abriu a conferencia questionando-se sobre o que ocorre com o cinema latino-americano hoje, quais são as explicações para esta excitação criativa, este boom, esta renovação. Segundo ela, este é um momento de renascimento que começou há cerca de 10 anos e que não tem precedentes históricos e foi marcada principalmente por um filme argentino considerado bastante emblemático por Mónika: “Pizza, Birra, Faso” (Pizza, Cerveja, Maconha), de 1997. Ela cita a rejeição ao passado como uma das principais tendências do cinema latino-americano atual, como a ruptura com o Nuevo Cine Latinoamericano dos anos 1960 e 1970 – que era excessivamente militante, que tinha compromisso social e político, que tinha uma missão muito clara que era a libertação através do cinema. Além disso, Mónika destaca também a reação existente contra o cinema da década de 1980, que, segundo ela, queria claramente seduzir os co-produtores e diretores de festivais europeus com suas alegorias, denúncias, heróis, mártires, com um forte sabor local e muito exotismo. Mas, então, o que definiria o cinema que é feito hoje no nosso continente? “Lo que vemos ahora […] es una preocupación, un compromiso con lo que es real. No es el pasado; es el presente, la cotidianeidad. Lo que vemos también son películas mucho más intimistas, personales, de autor, que no quieren juzgar, películas contemplativas. Son películas de personajes, que tratan espacios interiores, el mundo de los sentimientos, familias rotas o disfuncionales, el tema de alienación.” Como exemplos disso, Mónika cita “Mundo Grua” (Pablo Trapero), “El Vuelco del Cangrejo” (Oscar Ruíz Navia), “Norberto Apenas Tarde” (Daniel Hendler), “La Ciénaga” (Lucrecia Martel), “Hamaca Paraguaya” ( Paz Encina), “Una Semana Solos” (Celina Murga), etcétera.
El Vuelco del Cangrejo
Entre os fatores que colaboraram com as mudanças e transformaram o cinema no que ele é hoje, Mónika menciona o fácil aceso às novas tecnologias, a proliferação de escolas de cinema (principalmente na Argentina) que permitiram certa democratização das pessoas envolvidas na realização de filmes, as leis de cinema que em alguns países (como Brasil, México e Colômbia) permitem que o dinheiro privado chegue às películas independentes devido aos incentivos e isenções fiscais. Entre essas leis, foram destacadas durante o debate os casos da Colômbia e do Brasil, que exigem que as majors que monopolizam as salas de cinema ajudam o cinema nacional e projetos independentes. Porém, a questão é polêmica. Se nos países que não dispões deste tipo de legislação ela é vista como uma vantagem, nas nações onde estão em vigência são alvo de discussões acirradas, pois as majors entram como co-produtoras e podem ganhar dinheiro com isso no caso de que o filme tenha boa bilheteria. Mónika também salienta as co-produções, o acesso a fundos a nível internacional e todos os apoios governamentais (que ainda são, porém, escassos ou totalmente ausentes em alguns países, como na Guatemala). Todas essas mudanças permitem que muitos jovens se aventurem a fazer cinema, além da grande presença de mulheres no campo de cinema independente (à diferença da situação há no resto do mundo), principalmente na Argentina, onde a presença feminina é muito destacada nessa área.
O uruguaio Federico Veiroj, realizador de cinema, diretor dos longas “Acné” (que participou do Bafici 2009) y “La Vida Útil” (que participa da competição internacional no Bafici deste ano), tem uma opinião um pouco distinta. Para ele a unidade, a presença de certas tendências e temas que se repetem não é uma peculiaridade da nossa época, pois considera que isso é algo que sempre ocorre desde de sempre, desde o início da história do cinema. A novidade, para Federico, estaria no movimento pró-festivais que existe em muitos países latino-americanos e também na Europa, o que gera mais demanda e incentiva a produção de mais filmes. Assim como Mónika, o diretor uruguaio também salienta a importância dos cursos universitários de cinema que se desenvolveram em nosso continente nos últimos 15 anos, colaborando para que toda Latinoamérica conheça mais os processos de realização de um filme e que o mito em torno disso se dissolva. Mas ao contrário do que enfatiza a colombiana, para Veiroj o que define o cinema latinoamericano atual é a “mezcla de todos esos integrantes, pero en tanto director y tanto espectador también me gustaría decir que no siento que se estén descubriendo nuevas fórmulas, lo que sí se descubre, y eso es lo más lindo, son nuevos autores”.
Ademais, Veiroj destaca uma particularidade do Uruguai em relação aos outros países latino-americanos. Lá a geração de jovens entre 20 e 27 anos não começou a se dedicar à realização cinematográfica depois das facilidades proporcionadas pela tecnologia e pela evolução dos meios e suportes digitais. Ele afirma que “eso es algo que me parece muy bueno en países como Chile, Argentina, Brasil y México, que generaciones que recién salen de la universidad se estén dedicando al cine. Incluso hay películas de estudiantes egresados que tienen muy buen nivel. Eso es algo que en Uruguay no se ha dado y que a mí como espectador y como uruguayo me gustaría ver. Yo imagino que eso pasará...” Segundo ele, a geração atual que faz cinema no Uruguai está mais próxima dos 30 anos de idade.
La Vida Útil
Se a situação do cinema latino-americano vem melhorando e todo o mundo tem voltado os olhos para o nosso continente hoje em dia, o desenvolvimento não ocorre de forma uniforme. O guatemalteco Julio Hernández Cordón, diretor dos longas “Gasolina” (que recebeu o premio especial do jurado pela seleção oficial internacional do Bafici 2009) e “Marimbas del Infierno” (que participa da competição internacional no Bafici deste ano), parece bastante pessimista respeito a situação do cinema no seu país. Primeiramente, declara não saber definir muito bem o que é o cinema guatemalteco. Segundo ele, “muchos de mis colegas están intentando fotocopiar fórmulas hollywoodianas, sólo que yo siento que esa fotocopiadora que están utilizando no tiene suficiente tinta porque no hay presupuesto para hacer un film con una plataforma de Hollywood”. Com isso, explica, se geram historias que não se decidem entre o cinema de autor e o cinema comercial. Junto a isso, o fato de no existirem leis governamentais que incentivem a atividade cinematográfica complica ainda mais a situação. Cordón recorda que no ano passado foram feitos somente 12 filmes na Guatemala e que foi considerado um recorde, um marco no país. A maioria deles teve investimentos privados que variaram de 5 mil até 70 mil dólares. Outro fator que, de acordo com Cordón, complica a situação do cinema guatemalteco é que os filmes realizados lá são muito locais e, por isso, custam muito para conseguir sair da nação centro-americana. O diretor diz que se sente muito frustrado e que, em alguns momentos, pensa em ir embora da Guatemala, mas logo se dá conta de que todas as histórias que tem para contar estão em seu país e, então, não encontra sentido em deixá-lo. Com todos esses entraves, por que continuar se dedicando a isso? “Lo único que tiene ventaja hacer cine en Guatemala, para mí, es que tengo la libertad total para hacer lo que quiera porque mis películas son tan baratas que no tengo nada que perder. De todos modos la gente no va a ir al cine a verlas, de todos modos no estoy viviendo del cine que hago.”
Las Marimbas del Infierno
Diante disso, para qualquer caso, os festivais surgem como a melhor forma de divulgar, distribuir e exibir esses filmes. Além disso, apresentam a possibilidade de entrarem como co-produtores. Muitos diretores aproveitam os prêmios ganhos nos festivais para terminar seus filmes ou para recuperar o dinheiro investido anteriormente.