sábado, janeiro 24, 2009

"Caos Calmo" e nenhuma palavra a mais


Desde outubro do ano passado, quando li pela primeira vez uma crítica a respeito do filme italiano Caos Calmo, desejava imensamente assisti-lo. Porém, minha falta de disponibilidade de horários e a insuficiência de opções de sessões nas salas de cinema só me permitiram esse desfrute no último fim de semana. Apesar de já ter algumas informações sobre o filme, ele não deixou de me surpreender.
Como todos comentavam (e ainda comentam) que apesar da direção de Antonio Luigi Grimaldi – que, aliás, teve com esse filme sua estréia no circuito comercial brasileiro – a obra era Nanni Moretti da primeira à última cena, acabei, confesso, esperando um segundo O Quarto do Filho, filme dirigido e protagonizado por Moretti que ganhou a Palma de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cinema de Cannes em 2001. Aliás, não é à toa a comparação com os filmes de Moretti, pois além de protagonizar Caos Calmo, foi ele quem teve a idéia de colocar a história do livro homônimo de Sandro Veronesi nas telonas e quem, ao lado de Laura Paolucci e Fancesco Piccolo, roteirizou a história. Entretanto, apesar do semelhante tema abordado por ambos – a seqüência da vida após a perda de alguém do núcleo familiar –, Caos Calmo aborda o assunto com menos dureza, de uma forma mais amena, oscilando entre momentos de gana em cair ao pranto e cenas que provocam gargalhadas extasiantes, enquanto o filme dirigido por Moretti é total imersão no sofrimento.
Vencedor dos prêmios David Di Donatello de melhor música, canção original e ator coadjuvante, Caos Calmo conta a história de Pietro Paladini (Nani Moretti), um bem sucedido profissional da área audiovisual, cuja esposa morre no exato momento em que ele e seu irmão salvam duas mulheres estranhas que estão se afogando na praia. A partir disso, desencadeia-se um período de angústia que é, entretanto, vivenciado em meio a uma tremenda calmaria e que não poderia ser melhor traduzido pelo perfeito nome do filme, apesar da aparente contradição. Alguns fatos indicam que Pietro não era um pai, tampouco um marido, muito presente, o que aparentemente lhe causa sensação de culpa, principalmente em relação à filha Claudia (Blu Di Martino). Por isso, ele decide estar o resto dos seus dias o mais próximo possível da menina, inclusive enquanto ela está na escola, passando boa parte de seu dia sentado num banco da praça localizada exatamente em frente à janela da sala de aula da filha.
Naquela praça, ocorre a maioria das ações da vida de Pietro, o que me parece uma ironia, talvez até uma sátira, em relação à vida corrida que grande parte das pessoas vive atualmente. A empresa onde Pietro trabalha está passando por uma importante transição, com a qual ele não está nem um pouco preocupado e, ainda assim, seus colegas e chefes se dispõem a se deslocar da empresa até a praça para discutir questões ligadas ao trabalho. Pietro parece, agora, mais preocupado em visualizar o mundo e as pessoas a sua volta, além de administrar sua atual situação particular, a qual todos parecem compreender e aceitar muito bem, demonstrando voluntariedade raramente vista hoje em dia.
Todas essas situações nos dão de alguma forma subsídios para refletir sobre a grande questão do filme, que está justamente ligada à tranqüilidade daquela vida após um grande momento de perturbação, o que incita questionamentos sobre qual seria o real sentimento que assola tanto Cláudia quanto Pietro. Estariam eles sofrendo calados ou aquela morte não chegou a ser um baque em suas vidas? Isso só poder ser refletido, porém, vendo de perto as grandes contradições de seus personagens, que é o que os torna tão profundos e tão reais. Essas contradições acabam sendo exacerbadas em Pietro na cena mais polêmica do filme, uma cena de sexo que foi tremendamente criticada em seu lançamento na Itália. Além de destoar do restante da história, não há justificativas no enredo para seu desenvolvimento e traz à tela um Pietro completamente oposto daquele que vem sendo apresentado a nós durante todo o filme.
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trailer:

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Che, O Argentino não consegue ir além da imagem heróica do revolucionário

Nos poucos dias em que tive o prazer de desfrutar Buenos Aires, em uma virada de ano atípica, a capital argentina permitiu-me alguns outros prazeres. Tive a oportunidade de ver de antemão um dos novos filmes de Steven SoderberghChe, O Argentino – embora não tenha tido a mesma honra com sua continuação – Che, A Guerrilha – que ainda está por estrear. Quem está no Brasil e não compareceu a 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo terá que esperar até feveiro ou março, quando o filme deve estrear por aqui, para saber se concorda ou discorda do que vou dizer aqui. Bastante aplaudido no Festival de Cannes do ano passado, principalmente pela brilhante atuação de seu protagonista, interpretado pelo ator porto-riquenho Benício Del Toro, que recebeu o prêmio de melhor ator no festival, Che, O Argentino não deixa de ser um filme bastante polêmico. Embora tenha sido feito em uma linguagem documental, nem de longe o filme tenta ser imparcial. Soderbergh – mesmo diretor de Traffic (2000), Solaris (2002) e Bubble (2006) – apesar de sua excelente pesquisa histórica, não consegue ir além da imagem de herói atribuída a Che Guevara.
O enredo conta a trajetória de ascensão de Ernesto Guevara de la Serna de médico a comandante na Revolução Cubana, a partir do momento em que ele conhece Raul Castro e é apresentado por este a seu irmão Fidel Castro. Então, Che decide ir à Cuba na companhia de Fidel e mais sete rebeldes no final de 1956, com o intuito de pôr fim à ditadura de Fulgêncio Batista. O filme está dividido em dois eixos narrativos: um deles põe o espectador diante das imagens do ocorrido desde a chegada dos revolucionários à ilha até a tomada de Santa Clara, enquanto o outro se passa em 1964 quando Guevara representa Cuba oficialmente nas Nações Unidas. Esses momentos são intercalados durante a narrativa: imagens mostram Guevara discursando nos Estados Unidos; na mesma ocasião, ele concede uma entrevista que aparece no filme através de vozes em off, cobrindo imagens que mostram as situações as quais ele se refere; logo em seguida, entram as cenas da guerrilha com o som referente à própria imagem. É bom não esperar momentos fortes e emocionantes ao longo da trama, pois apesar de filmes de guerra costumarem estar relacionados a muita ação, não é esse o caso de Che, O Argentino. Seu objetivo não parece ser envolver sentimentalmente o espectador, mas apenas mostrar documentalmente os fatos ocorridos. Entretanto, aí está a grande polêmica do filme de Soderbergh.

Sendo a proposta do diretor a proximidade com o documental, esperava-se mais detalhes da personalidade e da atuação de Guevara na Revolução Cubana. Porém, o diretor não consegue transpassar a imagem estereotipada do herói revolucionário, conveniente aos que por ele conservam certa admiração e revoltante para os que repugnam as ações do comandante. As imagens da guerrilha não são tão detalhadas e comoventes como poderiam, ao contrário das imagens do discurso de Guevara. Além da diferença de cor das imagens – enquanto as primeiras são coloridas, as segundas são em preto e branco – as imagens do discurso de Che são mais enfáticas, mostram detalhes da expressão do personagem em uma câmera com muito mais movimento e muito mais detalhes do que as imagens da guerrilha. Conseqüentemente, os momentos polêmicos da guerra, que poderiam provocar revolta ao público e levá-lo a questionar as atuações não só de Che, mas de todos os revolucionários, acabam justificados pelo discurso convincente e envolvente do excelente locutor que é Guevara. A violência é abrandada tanto de um lado quanto de outro. Poucas são as cenas de mortes dos revolucionários, bem como poucas são as de mortes de seus opositores.
Portanto, apesar de ter sido deveras aplaudido onde já foi exbido, Che, O Argentino parece não cumprir sua proposta. Não estou afirmando aqui que Soderbergh errou ao exaltar a imagem de um Che Guevara humano. Porém, creio que se esse era seu objetivo não deveria ter utilizado o tipo de linguagem e estética que se vê no filme. Além disso, é possível evidenciar o lado bom e heróico de Guevara sem ocultar determinadas situações. Se a idéia era aproximar-se do documentário, como é o que parece, que se mostre os fatos, que se mostre o lado humano do Che e dos revolucionários, mas que não se esconda a violência utilizada para seus objetivos. Afinal, a discussão que perdura em relação a essa revolução é se a violência a justifica, e isso é completamente ignorado por Soderbergh. Se é para ser documental, que se tente deixar o espectador decidir de qual lado quer ficar. A grande qualidade do filme fica realmente nas mãos de Del Toro, que interpreta Guevara com uma veracidade nunca antes alcançada, e do restante excelente elenco composto por Rodrigo Santoro (dando vida a Raúl Castro em um espanhol quase impecável), Demián Bichir (interpretando Fidel Castro em uma semelhança assustadora), Santiago Cabrero (Camillo Sinfuegos), Elvira Mínguez (Célia Sánchez), etc.
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Mais sobre o filme:
Trailer em espanhol: