Provavelmente beire o impossível tentar traduzir em palavras e, talvez mais ainda, em papel o tema de um filme que transpassa em demasiado a linguagem. Não é à toa que o nome da obra é A Vida Secreta das Palavras. Também não é por acaso que a principal personagem da trama pronuncie apenas o básico e quase somente quando inevitável, além de assumir sua surdez quando deseja distanciar-se dos sons a sua volta.
Hanna (Sarah Polley) trabalha há um bom tempo na mesma fábrica sem tirar um único dia de folga. Metódica, acostumada a realizar todos os dias, nos mesmos horários, as mesmas atividades, vê-se obrigada a relegar sua rotina, quando é convocada por seu chefe a tirar férias. Hanna não se relaciona com ninguém e, sem amigos, acaba viajando sozinha. Logo no seu primeiro dia de férias, descobre que precisam de uma enfermeira – função que exerce muito bem – para tratar de um homem que sofreu queimaduras gravíssimas, vítima de um incêndio ocorrido numa plataforma de petróleo.
No meio do oceano, a moça conhece Josef (Tim Robbins), que está temporariamente cego, em função das queimaduras sofridas. Acometidos por situações comuns – ambos sem um dos sentidos – iniciam, por meio de chantagens e trocas, confidências mútuas. Enquanto Hanna evita emitir palavras o máximo que pode, Josef aproxima-se do galanteador, mencionando as primeiras idéias que lhe surgem à cabeça. Aos poucos, ela vai rendendo-se sutilmente à linguagem e ele vai percebendo que às vezes as palavras tornam-se desnecessárias, pois comunicam menos do que deveriam.
O enredo ainda é incrementado pela brilhante atuação do cozinheiro Simon (Javier Cámara), que eventualmente quebra a seriedade do filme com tons levemente piadistas. Eles dividem a plataforma com mais alguns homens que ali trabalham –cada um com suas fugas e mistérios – e aprendem a lidar diariamente com a solidão.
A diretora espanhola Isabel Coixet – a mesma do brilhante Minha Vida Sem Mim – introduz lentamente, a partir de uma história que parece particular, um tema global que será desvendado exclusiva e intencionalmente no final. Ali, revela, de maneira peculiar, o segredo desta personagem tão profundamente absorta. Minhas ressalvas vão somente à voz em off que narra determinadas partes da história, que, além de não ser auto-explicativa, ao tentar ser justificada, não o é de forma eficaz. A ousadia e a profundidade de A Vida Secreta das Palavras o mantém, no entanto, merecedor dos prêmios Goya de melhor filme, diretor, roteiro e direção de produção, adquiridos em 2006. Uma experiência única e intensamente perturbadora.