quinta-feira, abril 12, 2007

A máquina de fazer tempo

Durmo seis horas por noite e acordo por volta das sete horas da manhã. Alguns diriam que eu posso me deleitar nos fins de semana. Entretanto, no sábado, minha aula de inglês não permite e, no domingo, caso decida extrapolar, não consigo pôr em dia as tarefas deixadas para trás durante a semana por falta de tempo. Mal ponho os pés no chão e a correria já me pega. E não é só comigo que funciona assim. Pelo menos isso me serve de consolo. Vejo colegas que precisam de dois empregos e mal sobra o fim de semana para estudar.
Me frustro com tudo isso, mesmo sabendo que quase ninguém que eu conheço consegue dar conta de tudo o que faz ou gostaria de fazer. Me frustrei mais ainda na segunda-feira, na reunião do projeto de pesquisa do qual sou bolsista. Durante o encontro surgiu o assunto Moacyr Scliar. Seja porque ele está de aniversário nesta semana ou por seu reconhecimento como escritor. Não importa. O que nos despertou mesmo atenção é que ele completa hoje* setenta anos e tem setenta e quatro livros publicados. O primeiro foi escrito aos 25 anos. Ele escreve mais de um livro por ano; eu mal dou conta de ler os jornais diários. Faz mais de um ano que tento terminar o roteiro de um média-metragem e não consigo parar, pensar e despejar no papel as idéias que faltam para aprofundar uma questão que ainda está superficial. O máximo que já consegui escrever na minha vida inteira por espontânea vontade foi o roteiro de um curta-metragem que tem cinco páginas. Escrevo freqüentemente, para algumas disciplinas da faculdade, textos de uma ou duas páginas, mas, confessando, acabo escrevendo somente porque sou obrigada a fazê-lo.
Não consigo ver o Scliar como uma pessoa comum que passa na rua por mim e dá bom dia. Para mim, parece que os dias são cada vez mais curtos. Para o Scliar parece que não. Dá aula de medicina preventiva na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre e escreve livros que, muitas vezes, não têm relação alguma com medicina. Se não bastasse, contribui, ainda, com os impressos Zero Hora e Folha de São Paulo. Uma professora minha disse uma vez: “ele escreve tanto porque não é professor”. Engano seu. Ele não só é professor como, dentre todas suas atividades, ainda tem um filho. Já adulto, é verdade, mas, quando era pequeno, o Moacyr já escrevia. Scliar não só não é comum, como não é humano. É uma maquina de fazer tempo.
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*23/03