sábado, janeiro 07, 2006

É chegada a hora

É a minha vez. Eu preciso levantar, abraçar meus colegas, pular a minha música e comemorar, como todo mundo já fez. Tenho que tomar coragem e caminhar em direção àquela bancada. Com meu capelo na mão, para entregá-lo a alguém que o colocará na minha cabeça conferindo-me o grau de alguma profissão que nem me lembro qual, tamanho é meu nervosismo. E, depois, calmamente, dirigir-me ao microfone, posicionar-me frente àquela platéia tão vultosa que, ansiosa, aguarda as minhas belíssimas palavras.
Mas eu estremeço. Simplesmente porque não tenho idéia do que falar. Não posso esquecer de agradecer. Não posso esquecer ninguém. Todos, até agora, foram imbuídos de romantismo, tomados por um sentimentalismo contagiante, mas meu ceticismo me faz questionar o quão verdadeiro ele é. Todo mundo chora, emocionado. Mas eu não consigo. Simplesmente porque não sei se desmorono em lágrimas devido a minha tamanha alegria ou a minha imensa tristeza. Não sei. Porque me sinto imensamente feliz por estar aqui e agora, por ter lutado tanto e ter chegado onde cheguei, ter alcançado meus objetivos ou, pelo menos, parte deles, eis que quero mais, muito mais. Porque me sinto demasiadamente triste, pois, no meu caminho até aqui, logrei momentos tão bons e gratificantes que tenho dúvidas de se quero deixá-los pra trás. E, na dúvida se choro de alegria ou de tristeza, deveria ser mais intenso meu pranto, mas acabo simplesmente não chorando, nem uma lágrima, nem, ao menos, uma simples gotícula.
Fico paralisada, sem saber exatamente se por nervosismo ou por não ter a mínima idéia do que falar. E travo porque todos declaram em público seu amor, seu amor aos pais, aos namorados, aos irmãos e a todos que merecem. Se é que, de fato, merecem. Não. Não estou dizendo que não merecem o amor, nem a declaração do amor. Refiro-me aos agradecimentos de formatura. Se é que eles merecem.
Fico anestesiada em frente a esse tão imenso público por não conseguir enxergar em que parte ele começa e em que parte termina. Sinto-me constrangida e nem um pouco à vontade, simplesmente por não saber declarar meu amor e por achar que esse momento não foi feito pra declarar amor algum. Mas o mais estranho é que o que me atormenta não são os desconhecidos que por ventura estejam aqui. O que me incomoda e me angustia são os que me conhecem. É meu medo de esquecer as pessoas, de não saber falar direito ou de, simplesmente, não falar quando todos esperam que eu fale. Quero agradecer somente a quem realmente me ajudou a estar aqui hoje. Porém, não posso. As circunstâncias não me permitem ou, talvez, as pessoas não me permitam.
Não quero cair nas mesmices e começar agradecendo a Deus, como a maioria fez. Até porque seria hipócrita, já que tenho grandes dúvidas sobre sua existência.
Talvez devesse agradecer a minha universidade, por ela ser pública, gratuita e de qualidade. Entretanto, paira minha incerteza sobre se ela é, de fato, tão boa assim. Muitas vezes briguei por não achar os professores suficientemente bons, pela falta de estrutura e pela mínima quantidade de vagas. Se não fosse a Ufrgs eu teria chegado aqui de uma outra forma, e, mesmo que não estivesse aqui e que nunca chegasse onde estou, procuraria um meio alternativo de conquistar meus objetivos. Ainda que não me formasse, ainda que não fizesse porra alguma de faculdade.
Vivemos hoje em função disso, angustiados dia-a-dia pensando “tenho que ter um curso superior”. E nos formamos, às vezes nem tanto por querer, mas porque a sociedade, de certa forma, exige isso. “Ou morreremos de fome”. Mas o que nunca nos avisaram é que poderemos “morrer de fome” mesmo tendo uma profissão.
Posso agradecer a meus amigos. Mas não a todos, até porque muitos me atrapalharam no meu caminho. Bem, talvez esses não sejam realmente meus amigos. Mas como decepcionar em frente a este monte de gente pessoas que eu adoro e simplesmente preteri-las? A questão é que as pessoas confundem. O fato de eu não agradecer alguém aqui não quer dizer que a pessoa não é importante pra mim. Isso não é uma cerimônia de declaração de amor. Estou aqui pra agradecer somente quem teve relevância direta no meu caminho até aqui e quem, de fato, colaborou de alguma maneira para que eu aqui chegasse.
Agradecerei aos meus pais porque deles não posso esquecer. Não só porque eles ficariam muito sentidos, mas porque eles realmente merecem meu agradecimento. Não simplesmente porque os amo, acho que agradecer alguém, nesta ocasião, simplesmente por amor não tem relevância alguma. Mas eles merecem. Primeiro porque se não fosse por eles eu não estaria aqui, neste mundo. Depois, porque, se não fosse pelos conselhos do meu pai, nem jornalismo eu estaria fazendo. Mas também tenho que agradecer a minha própria coragem de ter largado o curso quase na metade em uma universidade particular para fazer cursinho de novo e entrar na federal. Se fosse pelos meus pais eu não teria feito isso de jeito algum. “Tu vai te atrasar guria”, retumbava na minha mente a frase deles. “Hoje parece que não, mas na hora que fores procurar emprego tua idade fará diferença e quanto mais tarde tu te formares, pior.” Isso me incomodava, me angustiava e não deixava eu fazer as coisas que realmente eu queria fazer. Mas bati pé e saí da particular. Não me arrependo. Amadureci muito nesse tempo e hoje acho que fiz o melhor.
Posso agradecer, quem sabe, a mim mesma por ter batalhado o suficiente e conseguido entrar na federal e não estar gastando rios de dinheiro em uma universidade particular em que o ensino, que deveria ser muito melhor do que o das federais, não é tão entusiasmante assim. Acho que o fato de eu estar aqui eu devo principalmente a mim mesma. A minha vontade, ao meu empenho e dedicação. Mas parece ridículo agradecer a si mesmo, porque ninguém acredita que possa chegar até aqui somente com sua própria força. E talvez não possa. Porém, muito da nossa conquista devemos a nós mesmos, eis que ainda que outras pessoas nos apóiem, se não tivermos garra pra ir lá e fazer o aconselhado e o sonhado, nada aconteceria. Nada se realizaria.
Então, vejo, de longe, todos que vieram aqui, nesta noite, me prestigiar e enrubesço. E, com medo de magoar os outros, sou a pessoa mais sem graça, que, ao invés de fazer um discurso, não faz alusão a ninguém, diz apenas “obrigado” e sai. Se é para magoar alguns e fazer outros chorarem de emoção, não digo nada. E nada muda, continuo empossada jornalista. Num clã diferente dos que aqui agradeceram, com tanta eloqüência, até quem não queriam agradecer.

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Como boa parte dos que estão lendo aqui sabem, ainda não me formei. E estou ainda um pouquinho distante disso. Porém, o tempo passa voando e foi, na quinta-feira, na formatura da minha amiga Léli, que fiquei refletindo acerca dos discursos das pessoas e de seus agradecimentos. E, de uma conversa a respeito disso com meu namor, acabei me inspirando pra escrever este textinho. Mas, por favor, não me chamem de hipócrita ou demagoga caso na minha formatura eu não aja deste jeito. É muito fácil ver tudo isso sendo a platéia. Entretanto, ainda não tenho condições suficientes para saber como é ser o prestigiado. Se eu fizer tudo ao contrário do que diz aqui, não se espantem, estará aqui uma crítica feita por mim a mim mesma.